quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A imprensa surtou

Por Luciano Martins Costa


Uma semana depois de ser surpreendida pela queda da taxa básica de juros, a imprensa brasileira coleciona um relicário de análises nas quais se evidencia que o noticiário econômico também foi contaminado pelo viés político ou, no mínimo, anda fragilizado por excessivas influências emocionais.
Na quinta-feira da semana passada, dia 1º, a reação dos chamados jornais de circulação nacional dava como certo que os dias de autonomia do Banco Central haviam acabado e que a “mão pesada” do governo havia imposto a decisão da queda dos juros.
O ex-ministro e consultor Mailson da Nóbrega, figura onipresente na mídia, pontificou em praticamente todos os jornais e em todos os meios para decretar que “a decisão foi imprudente, temerária, sem correspondência com a realidade, e deve refletir uma pressão política da presidência, do ministro da Fazenda. O Banco Central, submisso, não soube resistir”, decretou.
O mínimo que se disse foi que o presidente do BC, Alexandre Tombini, não tinha porte para o cargo.

Opinião contrariada
Os diários especializados de maior destaque, Valor Econômico e Brasil Econômico, reagiram de maneiras diversas à decisão que não apenas surpreendeu os especialistas, mas sobretudo contrariou a maioria das opiniões avalizadas pela mídia sobre o que deve fazer o governo para contornar os riscos da crise nos países desenvolvidos.

Valor decidiu absorver aos poucos o impacto da notícia, repassando aos seus leitores uma variedade de interpretações, não arriscando uma aposta elevada na condenação da decisão do BC.
Brasil Econômico fez um esforço de reportagem para tentar revelar as razões pelas quais o Banco Central havia decicido baixar os juros.

Os jornais genéricos, que apostam mais na política do que na economia, foram os mais agressivos. Folha,Estadão e Globo não apenas deram voz às opiniões mais contundentes como referendaram o veredito segundo o qual o Banco Central havia cedido sua autonomia ao comando econômico do governo.
Passada uma semana, a imprensa passou a dar espaço a opiniões divergentes, admitindo que, afinal, o Banco Central agiu de maneira independente e que, no fim das contas, a decisão não era assim tão estapafúrdia.
Mas o que explica o surto que tirou a imprensa brasileira de seu prumo na semana passada?


“Irresponsável, injusta e arrogante”

Na sexta-feira, dia 2, quando os jornais especializados colhiam outras reações do mercado – registre-se, por exemplo, que o Brasil Econômico foi ouvir os empresários da indústria, que comemoravam a queda dos juros –, os jornais genéricos esqueciam o assunto ou ainda pipocavam artigos retardatários insistindo na tecla da quebra de autonomia do Banco Central.
No rádio e na televisão, desenhava-se a imagem da presidente Dilma Rousseff como a de um “trator” a passar por cima de qualquer dissidência.
Enquanto isso, o britânico Financial Times publicava um artigo – reproduzido pelo Valor Econômico – no qual se afirma que a ação do BC brasileiro provocava admiração, medo e inveja nos dirigentes de outros Bancos Centrais por todo o mundo.

O texto elogia a ousadia das autoridades monetárias do Brasil, teme pela autonomia das autoridades de bancos centrais em suas disputas com autoridades políticas e agências reguladoras, e mostra admiração pela batalha do Brasil contra a tradição da inflação elevada. “As autoridades de outros bancos centrais estão perdoadas por invejar a liberdade da autoridade brasileira”, conclui o texto.

Na lista dos artigos mais assertivos que se contrapõem ao viés imposto pelos jornais, destaque para a manifestação do ex-ministro Antonio Delfim Netto, na qual afirma que a acusação de subserviência do Banco Central foi “irresponsável, injusta e arrogante”.
O decano dos economistas brasileiros criticou ferinamente seus colegas que se haviam indignado com a decisão sobre os juros, dizendo que eles só reconhecem a independência do Banco Central quando este decide de acordo “com os conselhos que eles, paciente, gratuita e patrioticamente, lhe dão todos os dias, através da mídia escrita, radiofônica e televisiva”.

Delfim destacou ainda que considerou injustas as críticas que encheram as páginas dos jornais porque, na sua opinião, “pela primeira vez, em quase duas décadas, o Banco Central mostrou que é, efetivamente, um órgão de Estado com menor influência do setor financeiro privado”.
Este é, exatamente, o ponto central da polêmica: afinal, a serviço de quem estão os articulistas, comentaristas, analistas, colunistas e demais proprietários de fatias da mídia que, em coro, trataram de desmoralizar o Banco Central?

Que interesses representam, e por que motivo contam com tanto espaço nos jornais?
Além do evidente complexo de vira-latas, não há como ignorar que o insistente viés político que contamina o noticiário econômico pode estar a serviço de algum interesse nebuloso.

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