genda
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Depois
de ter sido premiado com a presidência do conselho político do PSDB, o
ex-governador José Serra resolveu virar cientista político. E especialista em
legislação eleitoral. Em um texto publicado há alguns dias na mídia paulista,
ele expôs suas ideias sobre alguns pontos polêmicos da reforma política. (De
-forma sintomática, apesar de presidir o conselho de seu partido, falou por
conta própria.)
A
hora é boa: as primeiras propostas de emenda constitucional estão chegando ao
plenário do Senado, depois de saírem da comissão especial que José Sarney criou
no início da legislatura e passarem pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania. Em paralelo, a Comissão de Reforma Política da Câmara, cujo relator
é o deputado Henrique Fontana (PT-RS), também está prestes a apresentar seu
anteprojeto.
No
PT e nos principais partidos que formam a base de sustentação do governo, há
muita movimentação. Quem a lidera é o ex-presidente Lula, que tem levado a
sério o papel que ele mesmo se atribuiu, de “embaixador da reforma”. Desde a
campanha eleitoral de 2010, repete que considera imprescindível promover nem
que sejam algumas mudanças nas regras que organizam o -nosso sistema político.
Lula tem procurado fazer com que o PT e esses
partidos se entendam a respeito de duas questões básicas: o financiamento
exclusivamente público das campanhas e a manutenção do voto proporcional, mas
com lista fechada, na eleição de deputados e vereadores. Com os partidos médios
(PSB, PDT e PCdoB), a concordância parece viável. Com o PMDB, quase impossível.
São
as mudanças relevantes que ainda podem ocorrer. Algumas foram descartadas, como
a queda da obrigatoriedade do voto e o fim da reeleição no Executivo. Outras
devem ser aprovadas sem maior discussão, pois são pouco significativas.
O
artigo de Serra tem um título revelador, “O ruim pelo pior”, e é um ataque à
proposta de financiamento público, tal como está no anteprojeto do deputado
Fontana. Sua tese central é que ele é pior que o modelo vigente, de
financiamento misto, mesmo que esse seja admitidamente ruim.
Na
crítica à proposta, dois argumentos são usados. O primeiro diz respeito à
previsão de que 80% dos recursos do fundo público de campanhas sejam
distribuídos aos partidos de forma proporcional aos votos que obtiveram na
eleição anterior, deixando 15% para reparte igualitário entre os que elegeram
ao menos um deputado e 5% entre todos (mesmo os que não elegeram nenhum).
Parece
que Serra considera errado levar em conta o desempenho dos partidos no acesso a
um fundo como esse. Mas qual seria a alocação correta? A de um igualitarismo
singelo, que faria com que legendas artificiais tivessem os mesmos recursos
daquelas representativas?
Todo
sistema de financiamento em que há algum tipo de recurso público estabelece a
performance passada como critério de acesso. É assim no Brasil, onde o tempo de
televisão depende do número de cadeiras conquistadas na Câmara na eleição
anterior.
Serra
diz que isso “congela a correlação de forças”, impedindo que “eventuais
mudanças nas preferências dos eleitores” tenham “reflexos nos recursos
disponíveis” na eleição seguinte. Ele mesmo expressa seu temor: “Que a proposta
… beneficie diretamente os dois maiores partidos, PT e PMDB”.
Ou seja, é contra o financiamento público por
conveniência, sem discuti-lo no mérito. Se contribui para a maior transparência
na contabilidade dos partidos, se permite maior fiscalização ao explicitar o
que cada um tem para gastar, se reduz a pressão por doações escusas, se fortalece
os partidos, não importa: o que o preocupa é o risco de que seu partido seja
“prejudicado”, recebendo menos dinheiro por ter tido menos votos que outros.
(Ele parece não se lembrar que o PSDB perdeu votos, entre 2006 e 2010, na
vigência do modelo atual, o que sugere que seu problema não se resolveria
mantendo-o).
O
segundo argumento é o mais usado pelos que preferem deixar tudo como está.
Consiste em dizer que o financiamento público não impediria a arrecadação
ilegal, pois os partidos continuariam a realizá-la.
É
bem possível, mas isso não justifica considerar melhor o modelo vigente. Ou
alguém acha que ele conduz à legalidade?
Não
faz sentido a hipótese de que o financiamento público provoque mais problemas,
que “empurre os candidatos para a ilegalidade”, como disse Nelson Jobim, citado
por Serra. O que faz é reduzi-los, criando uma fonte legítima para os recursos
necessários a uma campanha competitiva. Se empurra em alguma direção, é para a
legalidade (o que não quer dizer que todos se comportarão da -maneira correta).
O
texto termina com uma frase de pura fantasia: “A redução de custos, a
transparência, a maior vinculação entre eleitor e eleito e o fortalecimento dos
partidos, tudo isso pode ser alcançado… (com) o voto distrital”.
Com
certo atraso, parece que Serra resolveu aderir a uma campanha que a direita
brasileira faz há algum tempo.