sábado, 7 de abril de 2012

Como Carta Capital sumiu das bancas em Goiás


247 – Neste fim de semana, o jornalista Gabriel Bonis, de Goiânia, relata como personagens supostamente ligados ao governo de Goiás compraram todas as edições da revista Carta Capital da semana anterior, antes que a cidade acordasse.

Leia, abaixo, o texto sobre a tentativa de censura:

Misteriosos clientes se dirigem a diversas bancas de Goiânia, capital de Goiás, na manhã de domingo 1º. Minutos após os estabelecimentos abrirem, por volta das 8h da manhã, chegam com o objetivo de comprar, antes dos leitores da publicação, todo o estoque da edição 691 de CartaCapital, que traz reportagem de capa sobre a relação comprometedora do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governador tucano Marconi Perillo (leia a reportagem completa clicando AQUI). Conseguem em diversos pontos da cidade.

A edição, aguardada no estado após a divulgação de sua capa no site da revista, desaparece das bancas goianas ainda na manhã daquele dia – quando é entregue na cidade -, contam vendedores a CartaCapital. Quando o boato da misteriosa operação para comprar a revista se espalha, o público, curioso, sai à procura da publicação por todo o município. Não acham os exemplares, assim como a reportagem, que percorreu cerca de 100 quilômetros da capital para averiguar as principais bancas da cidade.

Identifico, no entanto, o registro de venda ou tentativa de compra do lote inteiro da revista por apenas um cliente em metade das bancas visitadas. Há também um padrão: em todos os casos, a ação ocorreu poucos minutos após as lojas abrirem, por volta de 8h da manhã de domingo.

Há também relatos de bancas que tiveram apenas a procura de leitores interessados em um exemplar da revista. “Abri a loja às 7h da manhã e já havia fila do lado de fora”, diz José Ribeiro Soares, de 30 anos, vendedor da Banca Paulista, situada nas ruas de um bairro nobre da cidade. Estranhamente, aquela parte da cidade não registrou tentativas de compra em grande quantidade.

Ainda assim, ouço de uma fonte a seguinte afirmação: “Essa edição vai encalhar. Sei aonde ainda há revistas e não te contarei.” A declaração soa estranha, e misteriosa. Vai de encontro aos relatos colhidos pela frase ouvida em cerca de 90% das bancas visitadas: “Quando chega o próximo lote? Se enviarem, vendemos tudo com certeza.”

“A CartaCapital já chegou? Não acho em lugar nenhum”, diz uma senhora na Banca Itaú. Na revistaria Almanaque, no Shopping Flamboyant, o vendedor responde a mais um cliente pelo telefone: “Não tem, está esgotada há dias.”

Chego a outra unidade de uma famosa franquia de bancas da cidade por volta de 10h da manhã de terça-feira. Pergunto se a edição 691 está disponível e a resposta é negativa. A pessoa, que pede anonimato, responde que, antes mesmo de conseguir organizar o estoque recebido na manhã de domingo, um homem se aproximou para comprar o reparte de CartaCapital.

A pessoa descreve com surpresa que o homem avançou nos pacotes e começou a abrir as embalagens a procura de CartaCapital. Olhou todos, até encontrar. “Disse que já havia reservado cinco exemplares para clientes, mas ele levou o resto e quis saber se aquele era mesmo o único reparte da revista.” Antes de sair, fez uma piada. “Falou que a revista ia valer ouro e que eu poderia ganhar dinheiro no mercado negro.”

Encontrei facilmente registros como estes em outras partes da cidade, inclusive em um shopping não muito distante dali. No local, uma pessoa entrou na loja, foi diretamente à prateleira de CartaCapital e comprou todos os exemplares pouco após a banca abrir.

Uma fonte, que também pediu anonimato, disse ter escutado uma parte da ligação recebida pelo cliente dentro da loja. “Ele dizia que o avô dele era amigo do Demóstenes (Torres), por isso precisava comprar a revista.”
Em outro estabelecimento, a tática não funcionou. Nara Rúbia Amorim, vendedora da Banca Leia, localizada dentro de um supermercado no Jardim Goiás, impediu que um “cliente” levasse o lote inteiro das edições. “Ele pegou todas as revistas da prateleira e colocou no caixa, mas disse que só vendemos uma por pessoa.”

A dificuldade de encontrar a revista e o boato da misteriosa operação de compra da edição levaram a um episódio tenso no Shopping Flamboyant. “Um senhor nos acusou de ter vendido os exemplares para uma mesma pessoa. Precisamos até chamar a segurança para controlar a situação caótica”, conta Marcelo Pereira da Silva, de 28 anos, gerente da revistaria Almanaque, enquanto mostra o comprovante de venda de uma unidade por cliente.

Quando o sequestro da revista não ocorria pessoalmente, interessados em grandes lotes da edição tentavam reservar a compra individual por telefone, sem se identificar. Foi o caso da loja comandada por Marcelo, que afirma ter recebido duas ligações de uma mulher interessada em 200 unidades da revista. “Ela nos contatou na sexta-feira 30 e no sábado 31 (antes da edição chegar às bancas em Goiânia), mas recusamos devido ao compromisso com nossos clientes.”

No Flamboyant, outra revistaria também foi contatada por uma mulher com o mesmo pedido. Marco Antônio Chamellet, de 44 anos, proprietário da Revistamania, declara que sua loja recebeu três ligações de uma mesma pessoa entre quinta-feira 29 e sábado. “Percebe-se que a pessoa não queria que a revista fosse vendida. Ela me pediu para não vender o estoque, pois passaria aqui para pegar.”

Em sua banca, a edição também esgotou em poucos minutos no domingo. “Antes de abrir a loja já tinha gente olhando por debaixo da porta e brigando para conseguir comprar a revista”, lembra Anderson Mattos, funcionário da loja.

Enquanto relata o grande interesse dos clientes pela edição, Chamellet segura um bloco de fotocópias da revista sobre o balcão. Com todos os exemplares vendidos, o estabelecimento recorreu à fotocópia da reportagem de capa para “viabilizar a matéria às pessoas”, justifica o comerciante, que diz ter cobrado 5 reais cada uma das cerca de cem cópias feitas desde domingo. “A procura está grande.”

Houve também uma tentativa de compra de um lote ainda maior diretamente na distribuidora. Era da Rádio 730, de propriedade de Joel Luiz Datena, filho de José Luiz Datena, apresentador de um programa de televisão policialesco na Rede Bandeirantes, premiado por um salário milionário. A rádio pretendia adquirir mil exemplares.

O veículo confirma, mas diz que a sondagem realizada pela conta de e-mail corporativo de Carlos Bueno Moraes, diretor-presidente da rádio, era de interesse exclusivo do funcionário. Moraes, por outro lado, afirma ter entrado em contato com a distribuidora após receber informação de que a revista corria o risco de ser comprada antes de chegar às bancas. “Minha intenção foi descobrir de que forma isso poderia acontecer, mas não quis realizar a compra.”

Sequestrada na cidade, a revista virou artigo dele luxo e interesse. “Você não pode me arranjar uma não?”, pede o taxista. Foi-se assim meu único exemplar.

Abaixo, Bonis relata ainda como a censura naufraga em tempos de internet e redes sociais:

A popularização do acesso à internet e o uso de sites de compartilhamento de informações, como Twitter e Facebook, transformaram a rede mundial de computadores em uma importante ferramenta de debates, luta por democracia e espaço livre de circulação de informações. Características somadas ao poder de organização de manifestações diversas, como os protestos contra supostas fraudes na eleição presidencial iraniana de 2009, acompanhados pelo Ocidente por meio de vídeos postados no Youtube, ou da Primavera Árabe, que varreu regimes ditatoriais de Tunísia, Egito e Líbia no inicio de 2011, com levantes populares acionados nas redes sociais.

Redes sociais se firmam como ambiente de denúncias e debates livre de interferências de governos ou setores da mídia. Foto:Istockphoto

Nestes casos, a internet funcionou como uma trincheira para circular a informação e organizar movimentos democráticos. Na última semana, as redes sociais brasileiras também deram um exemplo de força. Leitores de CartaCapital em Goiás denunciaram o sequestro da edição 691 da revista, comprada misteriosamente em lotes por cliente nas bancas da cidade.

A “operação” ocorreu n o domingo 1º, logo após a abertura das lojas por volta de 8h da manhã. Na capa, havia reportagem sobre a relação comprometedora do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governo do tucano Marconi Perillo (leia a reportagem completa clicando AQUI).

Devido ao elevado número de avisos dos internautas, a reportagem percorreu, na terça-feira 3, cerca de 100 quilômetros em Goiânia para averiguar a situação nas principais bancas da cidade. Não encontramos a revista e confirmamos as informações dos leitores. (Leia mais aqui)

Em meio à tática denunciada pelos internautas, Pedro Celio Alves Borges, doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal de Goiás, defende que a atitude é “completamente inócua”, devido à circulação livre de informações pela internet.

“A comunicação dos textos e também das imagens não se dá mais principalmente pelos exemplares nas bancas. A web é um território livre com diferentes redes, listas e circuitos de comunicação informal. Isso tem muito mais efetividade.”

Costa diz que a ação não tem o mesmo efeito da censura prévia na ditadura, pois não se pode mais controlar o fluxo das informações. Foto: Gabriel Bonis

Silvio Costa, cientista social, professor da PUC de Goiânia e filósofo, vai além e defende que a ação não tem o mesmo efeito da censura prévia na ditadura. “Hoje, dificilmente se impede uma informação de circular e tentativas neste sentido não produzem resultados.”

Tudo isso, devido às redes sociais, que mobilizaram um público jovem contra a atitude, antes diretamente fora deste círculo, diz o professor da UFG. “O poder de irradiação de uma atitude fora de contexto como esta cresce em tempos e internet.”

Caso exemplificado por Costa, ao relatar que um estudante universitário, indignado com o sequestro das revistas, se juntou a um grupo de colegas e tirou 230 fotocópias da reportagem sobre Goiás. “Eles a distribuíram gratuitamente em praça pública para denunciar.”

“A internet é um instrumento recente importantíssimo e precisa ser aperfeiçoado, pois contribui para uma visão mais crítica da população”, completa e deixa a mensagem: “esses instrumentos não agem sozinhos, é preciso indivíduos a fim de propagar as informações.”

Segundo Borges, o sequestro das revistas denunciado pelos leitores indica que opinião pública moderna não convive com esse tipo de atitude em plena democracia.

“O meio tecnológico da informação é cada vez mais predominante e hegemônico, e as novas democracias se abastecem também nos ambientes virtuais.”

É por isso, aponta Costa, que há uma tentativa dos setores conservadores em tentar estabelecer mecanismos de controle sobre a internet.

O filósofo se refere ao projeto de Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O projeto, tido como o AI-5 digital, prevê a punição para diversos crimes digitais.

Neste cenário, a internet, diz Borges, se transformou em um ambiente adicional da manifestação e formação de opinião, com correntes diversas de ideias.

“Isso implica em um tipo de militância virtual sem os riscos da militância tradicional dos movimentos sociais”, finaliza.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Por que o secretário da Fazenda de Perillo é indicação de Aécio?


Por Marcus Vinícius, no Brasil 247

O que faz em Goiás o senhor Simão Cirineu Dias? Ele foi secretário de Planejamento no Maranhão e da Fazenda em Minas Gerais, no governo de Aécio Neves (PSDB). Sua indicação à secretaria da Fazenda do Governo de Marconi Perillo (PSDB) está na cota do senador Aécio Neves e do governador Antônio Anastasia (PSDB), conforme registrou à época o periódico goiano Jornal Opção ( http://migre.me/8zuRz ):
“Tido como extremamente competente, Simão Cirineu Dias já foi investigado pela Polícia Federal na Operação Navalha, no Maranhão. A denúncia, de 2007, era de que ele, que integrava o governo de José Reinaldo Tavares (preso pela PF), do PSB, seria o elo da Construtora Gautama com a Secretaria do Tesouro Nacional, em esquema de favorecimento e lavagem de dinheiro. Mas o então secretário da Fazenda de Minas não chegou a ser acusado. Tudo indica que o problema era menos dele e mais do governador José Reinaldo, inimigo da família Sarney.

Simão Cinireu tem uma longa ficha de bons serviços prestados aos interesses de Aécio Neves e Minas Gerais, muitas vezes ao custo do prejuízo a Goiás. A assertiva é corroborada pelas declarações e compromissos de Aécio Neves (PSDB) quando foi governador de Minas Gerais. Compromissos que seu sucessor, Antônio Anastasia deve manter. Nos palanques de 2010 ambos deitaram falação contra a Guerra Fiscal promovida em desfavor de Minas Gerais por Goiás, Mato Grosso e Rio de Janeiro.

O jornal O Globo registrou no dia 19/11/2009 a seguinte declaração de Aécio: “Não poderia permitir que esta guerra fiscal continuasse tirando empresas e empregos de Minas Gerais”. ( http://migre.me/3QIOW ). Nesta data Aécio e o então secretário da Fazenda Simão Cirineu assinaram decreto que reduziu o ICMS e concedeu a novas indústrias benefícios fiscais idênticos aos oferecidos por outros estados. Segundo análise do Globo, “O decreto também terá reflexos em Goiás, que oferece vantagens para setores como o farmacêutico e outro”. Não custa lembrar que em Anápolis está instalado o principal pólo farmoquímico do Centro-Oeste.

Uma ação do governo de Minas Gerais no STJ (Superior Tribunal de Justiça) ilustra como os interesses mineiros e goianos estão em conflito. Está registrado no portal do STJ ( http://migre.me/3QJ6V ):
“As decisões opostas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em ações sobre a guerra fiscal entre os Estados de Goiás e Minas Gerais voltou a criar um clima de apreensão entre os empresários goianos (…) Há cerca de 45 dias, a ministra Ellen Gracie, do STF, concedeu uma liminar à Brasil Foods (BRF) contra uma execução fiscal do governo de Minas Gerais que tramita em Contagem (MG).

Mas enquanto não se desnuda o mistério de Marconi Perillo ter dado a chave do cofre de Goiás para um preposto de Aécio Neves, os empreendedores goianos sentem na pele a mão-pesada do Fisco dirigido por Cirineu. Empresários atacadistas e do setor de material de construção em Goiás reclamam contra os aumentos do ICMS, via substituição tributária, da Sefaz. De 7,3 mil empresas de material de construção entre 85% e 90% são micro e pequenas empresas. Para estas, o ICMS nesta semana passou de 12% para 17%. Vão repassar aos preços.

Duro com os micro e pequenos empresários, o governo Marconi Perillo e seu secretário da Fazenda são generosos com os grandes. A CAOA/Hyunday instalada na cidade de Anápólis e as futuras instalações da Suzuki na cidade de Itumbiara recebem vultuosos incentivos fiscais do governo goiano. O Produzir, programa de incentivos fiscais do governo goiano, beneficia ambas fábricas com cerca de 92% de isenção do ICMS devido.

Fica a pergunta? A quem serve Cirineu Dias?

A possível exportação de jumentos do Nordeste para a China causa celeuma no RN


por Willian Vieira, na Carta Capital


Há cerca de um mês, a notícia de que o apocalíptico fim do jumento nordestino estaria próximo se espalhou pelo Rio Grande do Norte. Os chineses chegavam para levar os burros embora. Pior: os burros é que estavam prontos para deixar a terra natal e navegar até as mesas dos famintos chineses, já a salivar pela carne do bicho que fora um dia o símbolo do trabalho no Nordeste brasileiro. Explica-se: por enquanto, os burros não vão a lugar algum. Um mero protocolo de intenção foi assinado, no ano passado, entre a secretaria de agricultura do estado e uma empresa chinesa, para exportar 300 mil “unidades”. Mas foi só há poucos dias, quando o fato vazou, que a questão asinina passou a dividir a opinião da população potiguar, devolvendo ao jegue – então acostumado a ser apontado como problema e relegado, coitado, ao vácuo simbólico deixado pela mudança econômica – o status genuinamente nordestino.

De fato, quando os chineses buscaram no Nordeste uma fonte perene de carne asinina, o jegue já estava fora de moda. Com a venda de motocicletas em alta graças a macias prestações, a maioria das famílias que usava o bicho para transporte (de gente ou de carga) trocou a alfafa pela gasolina e montou na garupa da modernidade. Quatro patas não batem duas rodas, que não empacam e bem menos incomodam, diria o repentista. A moto não urra nem estaca (ao menos não por teimosia), não evacua no caminho nem fica doente – nada que não se possa consertar com graxa e jeitinho brasileiro. Menos sentimental que o jegue, cuja fama de bicho invocado rendeu ditados e xingamentos (seu burro!), na briga entre animal e máquina, a moto ganhou o páreo. E o jegue, pra variar, ficou pra trás, empacado no tempo.

Por que então não juntar o útil ao agradável, opinou a ala pragmática e capitalista do Rio Grande do Norte? Afinal, desde seu declínio como meio de transporte, acentuado nos últimos 15 anos, o jegue tem incomodado. Sobrevivente nas condições mais severas, justamente o que fez seu império no sertão nordestino assim como nos bíblicos desertos do Egito, o jegue, mesmo abandonado, sem comida ou bebida, comiseração ou afeto, resiste a vagar pelo nada, negando-se a morrer. Estudos arqueológicos sugerem que o Equus asinus, espécie domesticada originada no norte da África há milhares de anos, tinha lá seu valor. Não só as ossadas analisadas têm o típico arqueamento da coluna, como foram encontradas nas próprias tumbas dos faraós.

Mas hoje ninguém quer os teimosos. Nas feiras potiguares, os velhos jegues são vendidos por um real, muitas vezes para serem sacrificados e virarem mortadela sem exatamente um certificado de origem controlada. Quando escapam à sorte da faca, no afã do desespero da fome, invadem as roças e comem as poucas plantas que verdejam no sertão. Nômades do deserto, páreas excomungados, os jegues não só insistem em viver, mas teimam em procriar. Assim, filhotinhos de jegue aparecem displicentes nas fotos de quem passeia pelas estradas vicinais do grande sertão nordestino. Acidentes também se repetem: animais atropelados na escuridão noturna trazem morte aos dois lados do choque. Assim, a solução mais à mão é a que vale. Basta a cidade prosperar,  as motos gritarem nas ruas, e um jogo de gato e rato surge na calada da noite. Uma prefeitura manda encher um caminhão com jegues, que dormem em casa e acordam na cidade vizinha. À noite, são despejados na próxima. E assim por diante.

Bicho ruim, o jegue. Mas foi dessa ruindade que gerações de nordestinos viveram. Não era outro bicho a carregar no lombo moringas com água e sacos e gente, muita gente nascida e morrida na vida severina do sertão – senão o jegue. Eis o argumento da ala opositora à exportação, ciosa do valor histórico do bicho. No site Petição Pública, um abaixo-assinado contra a “carnificina” que a China, país que “não prima pelo bem estar de seus animais”, estaria prestes a impor diz: enquanto os jegues sempre foram os companheiros do Nordestino, “os verdadeiros asnos que causam acidentes muito mais graves são aqueles que usam ternos caros e exercem cargos públicos!”

Não é de hoje que o jegue é animal dado a polêmicas. Nos anos 60, quando a carne asinina nordestina passou a ser vendida para o exterior, um certo padre Antônio Vieira, de Várzea Alegre, Ceará, protestou. Homônimo do grande orador do século XVII e ferrenho defensor da dignidade do bicho, o padre foi um seminarista brilhante, estudou filosofia na Itália e nos Estados Unidos, até de descobrir como a lei divina dos homens poderia proteger as bestas. Em 1954, ao ler sobre o massacre mensal de mil jegues para pesquisas científicas, decidiu tomar partido desse bicho que, dizia, “é como a Santíssima Trindade ou como a penicilina. Faz tudo e mais um pouco.”

Vieira fundou o Clube Mundial dos Jumentos, que tinha Brigite Bardot como membro e dez mandamentos na linha socrática do “Só sei que nada sei”, sendo o primeiro “reconhecer a própria burrice”, o terceiro “evitar e empáfia de dialético” e o sexto “transmitir aos demais jumentos o que sabe”. Criou também o Museu do Jumento. Ministrou cursos sobre como tratar o animal – no final entregava um diploma em latim, assinado pelo asinus maximus (ele) e subscrito pela máxima: “Até ontem você foi um burro, mas a partir de hoje será um jumento”. E escreveu ainda um calhamaço de 1,2 mil páginas em quatro volumes intitulado O Jumento, Nosso Irmão. 

Em Bom Dia Para Nascer, Otto Lara Rezende ironicamente elogia o trabalho do cearense. O padre Vieira português, jesuíta mais antigo, defendera os índios de então, tirando-lhes (em parte) da escravidão do trabalho para enfiá-los na escravidão do espírito. Mas hoje os índios estariam bem protegidos, escreveu Rezende. “Não está certo deixar o burro exposto à chacota geral.” Graças a Deus nasceu um segundo missionário. Pois quem mais protegeria o “perissodáctilo pacato e amigo do homem”, se não fosse o padre Vieira de Várzea Alegre, Ceará? 

Nos anos 60, o padre dos burros foi eleito deputado federal e usou o próprio plenário para falar contra a matança dos jegues para exportação: tal comércio se encerrou à época. Pouco tempo depois, Vieira teve os diretos políticos suspensos pela ditadura – não por causa do posicionamento em prol dos asininos, espera-se.  Só nos anos 90, sua obra virou referência asinina internacional, quando uma ONG traduziu o primeiro volume do livro, publicado pela American Donkey and Mule Society como The Donkey, Our Brother. Quando morreu, em 2003, aos 83 anos, o padre Vieira de Várzea Alegre, Ceará, recebeu um obituário do jornal britânico The Telegraph, por ter “devotado quase cinquenta dos seus 60 anos de ministério a essas bestas”. 

A herança vingou. O professor Sebastião Breguez analisou, em seu artigo, o “caso do jumento”. Após um apanhado das aparições asininas na Bíblia, como a passagem em Marcos na qual Jesus entra em Jerusalém num burrinho, ele avança na história e crava: “No Brasil, o jumento foi meio de transporte importante para o redescobrimento do país pelos bandeirantes, forçando Portugal e Espanha a romper com o Tratado de Tordesilhas. Também foi elemento importante para o fim da Escravatura, pois substituiu a força de trabalho escrava a partir de meados do século XIX.” E conclui: “O jumento é para o nordestino o mesmo que o camelo é para o árabe ou o beduíno do deserto. E foi salvo pela estratégia de comunicação usada pelo padre Vieira.”
Sem o padre, os asnos ficaram a mercê da fome chinesa, que devora um milhão e meio de jegues por ano. Não que se coma jegue na China como nós comemos galinha no Brasil. A carne é cara.  Mas é só entrar em um restaurante típico no centro de Pequim e olhar no cardápio com caracteres em mandarim e fotos dos pratos para perceber que as opções são muitas para não incluir algum animal estranho ao decoro ocidental.  Basta balançar as mãos sobre a cabeça como longas orelhas e urrar um pouco (!) para um prato fumegante de burro aparecer sobre a mesa. No melhor restaurante de pastéis cozidos de Pequim, a carne asinina é iguaria. O pior: pastel de burro é bom.

Tão bom que os chineses hão de insistir na saborosa parceria com os potiguares. Estatísticas pouco confiáveis estimam que a população asinina do Nordeste, que já foi de 17 milhões em 1964, seja hoje de um milhão. Ou seja: se a parceria vingar antes de a tal transferência de tecnologia chinesa aumentar a produtividade dos bichos potiguares, em menos de um ano os chineses comeriam todos os jegues nordestinos.
Afinal, “os jegues estão marchando na contramão da História”, afirmou Geraldo de Macedo, secretário de agricultura de Currais Novos (RN). Se consultado fosse sobre o destino dos bichos por quem tanto lutou, o padre Vieira (de Várzea Alegre, Ceará), de além-túmulo haveria de fazer sua a clássica frase latina: Plus potest negare asinus quam probare philosophus. “Mais pode o burro negar do que o filósofo provar.”


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Tem certas coisas que só o DEM faz por você


Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania

Tem sido muito comentado até na imprensa amiga do Democratas – que já foi PFL e, de alguma forma, Arena – que a agremiação estaria moribunda. Para um certo setor da sociedade, supõe-se que seja uma hipótese incompreensível. Há gente que, quando fala em corrupção, cita Delúbio, Dirceu, blábláblá, blábláblá e blábláblá, mas não fala de um só “democrata” ou tucano.

Essas pessoas não entendem por que um partido teria que acabar “apenas” por um de seus quadros ter sofrido denúncia de corrupção. Diante de uma pseudo contradição, logo tecem argumentação que até poderia fazer sentido: sendo assim, o PT deveria ter acabado há muito tempo, pois ao menos depois que chegou ao poder não há outro partido que tenha sofrido tantas denúncias de corrupção.

Não dá para negar. Não existe partido, na história recente, que supere o PT como alvo de acusações de gente como Demóstenes Torres ou José Roberto Arruda, por exemplo. Todavia, o que é incompreensível é que não há partido tão atingido por corrupção comprovada quanto o DEM.

Com base em dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral divulgou um balanço com os partidos com maior número de parlamentares cassados por corrupção desde 2000. O DEM, com 69 cassações, tem o equivalente a 9,02% de todos os políticos cassados no período de apuração, sendo o campeão.

Veja, abaixo, o ranking da corrupção COMPROVADA em cada partido.



A realidade combina com os dados. Não há notícia de políticos de expressão de outros partidos que tenham sido flagrados nas situações em que foram flagrados José Roberto Arruda, ex-governador de Brasília, e o senador goiano Demóstenes Torres, só para ficarmos na história mais recente.

De uma forma um tanto quanto bizarra, portanto, o Democratas – ou qualquer outro nome que venha a ter no futuro, se é que terá outro nome ou algum futuro – presta um serviço à sociedade. E não é de hoje. Desde a revelação do caso Hildebrando “motosserra” Paschoal, que tinha o péssimo hábito de serrar adversários políticos ao meio (literalmente), esse partido explica ao país, de forma didática, que tipo de gente há na política se fazendo de probo e “indignado” com a “corrupção petista”.

Demóstenes Torres e José Roberto Arruda são versões civilizadas de Hildebrando Pachoal. E mostram que quando há corrupção de verdade, cedo ou tarde ela vem à tona e não é através de ilações e suposições, mas de provas para lá de materiais, como as que pesam contra esses dois entre tantos outros demos da vida.

Claro que há corrupção em qualquer partido. Aliás, em um partido desses pequenos, na lista aí em cima, alguém pode achar que existe pouca corrupção, mas, às vezes, são partidos com meia dúzia de deputados ou vereadores ou prefeitos que, apesar de terem tão poucos representantes, quase todos são corruptos.

Se não fosse assim, não teria um índice de corrupção para o PT, também. É o 10º colocado. Não se pode negar que tem sua cota de políticos ímprobos. Agora, usar uma sigla com tão menos corrupção para simbolizá-la só é possível porque a mídia não usa critérios técnicos e sérios para criar esse quadro nas mentes da minoria que se opõe a esse partido.

A extinção do DEM, portanto, significaria menos corrupção? Negativo. Ela se espalharia por outras agremiações. Dessa maneira, defendo que tenha vida eterna, pois, pelo menos, a corrupção estará concentrada em um lugar só e, dessa maneira, tanto para a polícia quanto para a Justiça ficará mais fácil fiscalizar. Isso sem falar do didatismo sobre corrupção que tal partido proporciona.

Há certas coisas que só o DEM faz por você, leitor.