sábado, 7 de abril de 2012

Como Carta Capital sumiu das bancas em Goiás


247 – Neste fim de semana, o jornalista Gabriel Bonis, de Goiânia, relata como personagens supostamente ligados ao governo de Goiás compraram todas as edições da revista Carta Capital da semana anterior, antes que a cidade acordasse.

Leia, abaixo, o texto sobre a tentativa de censura:

Misteriosos clientes se dirigem a diversas bancas de Goiânia, capital de Goiás, na manhã de domingo 1º. Minutos após os estabelecimentos abrirem, por volta das 8h da manhã, chegam com o objetivo de comprar, antes dos leitores da publicação, todo o estoque da edição 691 de CartaCapital, que traz reportagem de capa sobre a relação comprometedora do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governador tucano Marconi Perillo (leia a reportagem completa clicando AQUI). Conseguem em diversos pontos da cidade.

A edição, aguardada no estado após a divulgação de sua capa no site da revista, desaparece das bancas goianas ainda na manhã daquele dia – quando é entregue na cidade -, contam vendedores a CartaCapital. Quando o boato da misteriosa operação para comprar a revista se espalha, o público, curioso, sai à procura da publicação por todo o município. Não acham os exemplares, assim como a reportagem, que percorreu cerca de 100 quilômetros da capital para averiguar as principais bancas da cidade.

Identifico, no entanto, o registro de venda ou tentativa de compra do lote inteiro da revista por apenas um cliente em metade das bancas visitadas. Há também um padrão: em todos os casos, a ação ocorreu poucos minutos após as lojas abrirem, por volta de 8h da manhã de domingo.

Há também relatos de bancas que tiveram apenas a procura de leitores interessados em um exemplar da revista. “Abri a loja às 7h da manhã e já havia fila do lado de fora”, diz José Ribeiro Soares, de 30 anos, vendedor da Banca Paulista, situada nas ruas de um bairro nobre da cidade. Estranhamente, aquela parte da cidade não registrou tentativas de compra em grande quantidade.

Ainda assim, ouço de uma fonte a seguinte afirmação: “Essa edição vai encalhar. Sei aonde ainda há revistas e não te contarei.” A declaração soa estranha, e misteriosa. Vai de encontro aos relatos colhidos pela frase ouvida em cerca de 90% das bancas visitadas: “Quando chega o próximo lote? Se enviarem, vendemos tudo com certeza.”

“A CartaCapital já chegou? Não acho em lugar nenhum”, diz uma senhora na Banca Itaú. Na revistaria Almanaque, no Shopping Flamboyant, o vendedor responde a mais um cliente pelo telefone: “Não tem, está esgotada há dias.”

Chego a outra unidade de uma famosa franquia de bancas da cidade por volta de 10h da manhã de terça-feira. Pergunto se a edição 691 está disponível e a resposta é negativa. A pessoa, que pede anonimato, responde que, antes mesmo de conseguir organizar o estoque recebido na manhã de domingo, um homem se aproximou para comprar o reparte de CartaCapital.

A pessoa descreve com surpresa que o homem avançou nos pacotes e começou a abrir as embalagens a procura de CartaCapital. Olhou todos, até encontrar. “Disse que já havia reservado cinco exemplares para clientes, mas ele levou o resto e quis saber se aquele era mesmo o único reparte da revista.” Antes de sair, fez uma piada. “Falou que a revista ia valer ouro e que eu poderia ganhar dinheiro no mercado negro.”

Encontrei facilmente registros como estes em outras partes da cidade, inclusive em um shopping não muito distante dali. No local, uma pessoa entrou na loja, foi diretamente à prateleira de CartaCapital e comprou todos os exemplares pouco após a banca abrir.

Uma fonte, que também pediu anonimato, disse ter escutado uma parte da ligação recebida pelo cliente dentro da loja. “Ele dizia que o avô dele era amigo do Demóstenes (Torres), por isso precisava comprar a revista.”
Em outro estabelecimento, a tática não funcionou. Nara Rúbia Amorim, vendedora da Banca Leia, localizada dentro de um supermercado no Jardim Goiás, impediu que um “cliente” levasse o lote inteiro das edições. “Ele pegou todas as revistas da prateleira e colocou no caixa, mas disse que só vendemos uma por pessoa.”

A dificuldade de encontrar a revista e o boato da misteriosa operação de compra da edição levaram a um episódio tenso no Shopping Flamboyant. “Um senhor nos acusou de ter vendido os exemplares para uma mesma pessoa. Precisamos até chamar a segurança para controlar a situação caótica”, conta Marcelo Pereira da Silva, de 28 anos, gerente da revistaria Almanaque, enquanto mostra o comprovante de venda de uma unidade por cliente.

Quando o sequestro da revista não ocorria pessoalmente, interessados em grandes lotes da edição tentavam reservar a compra individual por telefone, sem se identificar. Foi o caso da loja comandada por Marcelo, que afirma ter recebido duas ligações de uma mulher interessada em 200 unidades da revista. “Ela nos contatou na sexta-feira 30 e no sábado 31 (antes da edição chegar às bancas em Goiânia), mas recusamos devido ao compromisso com nossos clientes.”

No Flamboyant, outra revistaria também foi contatada por uma mulher com o mesmo pedido. Marco Antônio Chamellet, de 44 anos, proprietário da Revistamania, declara que sua loja recebeu três ligações de uma mesma pessoa entre quinta-feira 29 e sábado. “Percebe-se que a pessoa não queria que a revista fosse vendida. Ela me pediu para não vender o estoque, pois passaria aqui para pegar.”

Em sua banca, a edição também esgotou em poucos minutos no domingo. “Antes de abrir a loja já tinha gente olhando por debaixo da porta e brigando para conseguir comprar a revista”, lembra Anderson Mattos, funcionário da loja.

Enquanto relata o grande interesse dos clientes pela edição, Chamellet segura um bloco de fotocópias da revista sobre o balcão. Com todos os exemplares vendidos, o estabelecimento recorreu à fotocópia da reportagem de capa para “viabilizar a matéria às pessoas”, justifica o comerciante, que diz ter cobrado 5 reais cada uma das cerca de cem cópias feitas desde domingo. “A procura está grande.”

Houve também uma tentativa de compra de um lote ainda maior diretamente na distribuidora. Era da Rádio 730, de propriedade de Joel Luiz Datena, filho de José Luiz Datena, apresentador de um programa de televisão policialesco na Rede Bandeirantes, premiado por um salário milionário. A rádio pretendia adquirir mil exemplares.

O veículo confirma, mas diz que a sondagem realizada pela conta de e-mail corporativo de Carlos Bueno Moraes, diretor-presidente da rádio, era de interesse exclusivo do funcionário. Moraes, por outro lado, afirma ter entrado em contato com a distribuidora após receber informação de que a revista corria o risco de ser comprada antes de chegar às bancas. “Minha intenção foi descobrir de que forma isso poderia acontecer, mas não quis realizar a compra.”

Sequestrada na cidade, a revista virou artigo dele luxo e interesse. “Você não pode me arranjar uma não?”, pede o taxista. Foi-se assim meu único exemplar.

Abaixo, Bonis relata ainda como a censura naufraga em tempos de internet e redes sociais:

A popularização do acesso à internet e o uso de sites de compartilhamento de informações, como Twitter e Facebook, transformaram a rede mundial de computadores em uma importante ferramenta de debates, luta por democracia e espaço livre de circulação de informações. Características somadas ao poder de organização de manifestações diversas, como os protestos contra supostas fraudes na eleição presidencial iraniana de 2009, acompanhados pelo Ocidente por meio de vídeos postados no Youtube, ou da Primavera Árabe, que varreu regimes ditatoriais de Tunísia, Egito e Líbia no inicio de 2011, com levantes populares acionados nas redes sociais.

Redes sociais se firmam como ambiente de denúncias e debates livre de interferências de governos ou setores da mídia. Foto:Istockphoto

Nestes casos, a internet funcionou como uma trincheira para circular a informação e organizar movimentos democráticos. Na última semana, as redes sociais brasileiras também deram um exemplo de força. Leitores de CartaCapital em Goiás denunciaram o sequestro da edição 691 da revista, comprada misteriosamente em lotes por cliente nas bancas da cidade.

A “operação” ocorreu n o domingo 1º, logo após a abertura das lojas por volta de 8h da manhã. Na capa, havia reportagem sobre a relação comprometedora do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governo do tucano Marconi Perillo (leia a reportagem completa clicando AQUI).

Devido ao elevado número de avisos dos internautas, a reportagem percorreu, na terça-feira 3, cerca de 100 quilômetros em Goiânia para averiguar a situação nas principais bancas da cidade. Não encontramos a revista e confirmamos as informações dos leitores. (Leia mais aqui)

Em meio à tática denunciada pelos internautas, Pedro Celio Alves Borges, doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal de Goiás, defende que a atitude é “completamente inócua”, devido à circulação livre de informações pela internet.

“A comunicação dos textos e também das imagens não se dá mais principalmente pelos exemplares nas bancas. A web é um território livre com diferentes redes, listas e circuitos de comunicação informal. Isso tem muito mais efetividade.”

Costa diz que a ação não tem o mesmo efeito da censura prévia na ditadura, pois não se pode mais controlar o fluxo das informações. Foto: Gabriel Bonis

Silvio Costa, cientista social, professor da PUC de Goiânia e filósofo, vai além e defende que a ação não tem o mesmo efeito da censura prévia na ditadura. “Hoje, dificilmente se impede uma informação de circular e tentativas neste sentido não produzem resultados.”

Tudo isso, devido às redes sociais, que mobilizaram um público jovem contra a atitude, antes diretamente fora deste círculo, diz o professor da UFG. “O poder de irradiação de uma atitude fora de contexto como esta cresce em tempos e internet.”

Caso exemplificado por Costa, ao relatar que um estudante universitário, indignado com o sequestro das revistas, se juntou a um grupo de colegas e tirou 230 fotocópias da reportagem sobre Goiás. “Eles a distribuíram gratuitamente em praça pública para denunciar.”

“A internet é um instrumento recente importantíssimo e precisa ser aperfeiçoado, pois contribui para uma visão mais crítica da população”, completa e deixa a mensagem: “esses instrumentos não agem sozinhos, é preciso indivíduos a fim de propagar as informações.”

Segundo Borges, o sequestro das revistas denunciado pelos leitores indica que opinião pública moderna não convive com esse tipo de atitude em plena democracia.

“O meio tecnológico da informação é cada vez mais predominante e hegemônico, e as novas democracias se abastecem também nos ambientes virtuais.”

É por isso, aponta Costa, que há uma tentativa dos setores conservadores em tentar estabelecer mecanismos de controle sobre a internet.

O filósofo se refere ao projeto de Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O projeto, tido como o AI-5 digital, prevê a punição para diversos crimes digitais.

Neste cenário, a internet, diz Borges, se transformou em um ambiente adicional da manifestação e formação de opinião, com correntes diversas de ideias.

“Isso implica em um tipo de militância virtual sem os riscos da militância tradicional dos movimentos sociais”, finaliza.


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