Por Brasil 247 - Em artigo
publicado nesta quinta-feira no jornal Estado de S. Paulo, o tucano José Serra,
que é candidato a prefeito, mostrou que ainda sonha com a presidência da
República. Seu texto "Crescimento além do discurso" ignora questões
locais, da cidade, e aborda problemas nacionais apenas. Leia:
Crescimento além do discurso - JOSÉ SERRA
Duas das principais molas que impulsionaram a economia
brasileira nos últimos anos têm perdido sua elasticidade: a demanda
internacional por matérias-primas agrominerais e o crédito ao consumo. A
primeira sofre os efeitos da contração do crescimento mundial, que se
prolongará por alguns anos. Não necessariamente haverá um colapso dos preços
das commodities brasileiras, mas as receitas de exportações e os investimentos
nessa área perderão velocidade. Quanto ao crédito ao consumo, basta mencionar
que 90% das famílias brasileiras revelaram não ter disposição para
endividamento adicional. Elas gastam, atualmente, 30% de sua renda em juros e
amortizações da dívida já assumida, proporção superior à das famílias
norte-americanas. Assim, as tentativas de estímulo ao consumo via crédito não
terão impacto forte nem duradouro.
Nesse contexto, não é de estranhar que a economia esteja se
retraindo. De novo, nenhum colapso, mas um declínio da taxa de crescimento a
cerca de metade do nível obtido no governo passado. De fato, é o modelo -
chamemos assim - lulista de crescimento que perdeu o vigor.
Quais foram as principais peças desse modelo? Em resumo:
- crescimento médio razoável, puxado pelo consumo, com baixos
investimentos, aumento rápido das importações e preço ascendente das
commodities exportadas;
- diminuição da taxa de desemprego em razão do crescimento das
ocupações menos qualificadas. Entre 2009 e 2011, o aumento dos empregos com
carteira assinada foi de 5,9 milhões na faixa de até dois salários mínimos;
acima dessa faixa, a queda foi de 1,2 milhão;
- juros elevadíssimos, de um lado, exigindo despesas fiscais em
torno de 6% do produto interno bruto (PIB) e, do outro, atração abundante de
aplicações financeiras do exterior;
- forte sobrevalorização cambial, tornando as importações mais
baratas e as nossas exportações menos competitivas, o que acelerou a
desindustrialização do País;
- reduzida taxa de investimento público - das menores do mundo
-, com reflexos nas deficiências da infraestrutura;
- ampliação das distorções tributárias, que, ao lado dos altos
encargos financeiros, das carências na infraestrutura e da sobrevalorização
cambial, elevaram o custo Brasil às nuvens;
- e sistemática substituição das ações para melhorar a
eficiência das redes de saúde e educação pela contínua criação de ações
midiáticas.
Em face disso tudo, não espanta o reduzido crescimento da
produtividade da nossa economia: 1,2% nas últimas duas décadas, equivalente a
dois terços da taxa da economia norte-americana.
Esse modelo não é mais sustentável - e não por causa de alguma
conspiração da imprensa, mas em razão dos fatos, da lógica econômica e de dois
círculos viciosos à frente: desaceleração das receitas fiscais por causa da
retração da atividade econômica e queda do emprego caso os empresários
desconfiem de que a retomada do dinamismo da economia pode demorar.
O Banco Central acertou quando adotou a trajetória de redução da
taxa Selic, evitando o erro espetacular do governo Lula na crise de 2008-2009.
Mas essa mudança está longe de ser suficiente. Há obstáculos que precisariam
ser removidos com urgência nas áreas de investimentos e de tributação. É
preciso, por exemplo, desonerar os investimentos privados de forma radical,
acelerar a depreciação de equipamentos e corrigir os abusos nos setores de
insumos básicos, como é o caso do gás e da energia elétrica, em que, de cada R$
1 gasto, R$ 0,52 vai para tributos e recolhimentos.
Já a área de saneamento básico paga mais de R$ 2 bilhões anuais
de PIS-Cofins, que poderiam estar sendo investidos de forma rápida pelas
empresas estaduais e municipais. Isso reduziria o superávit primário? Ora, hoje
essas empresas têm de recorrer ao financiamento do FGTS e da Caixa Econômica
Federal - além de demorado, também é considerado vetor de déficit público.
E aqui tratamos da outra peça do modelo esgotado: o baixo
investimento governamental, cuja taxa tem até declinado no governo Dilma. A
retomada desses investimentos beneficiaria a atividade econômica no curto prazo
e, no médio e no longo prazos, reduziria o custo Brasil. Para isso - embora
dolorosas para o partido do governo e a coalizão do poder prevalecente -, são
essenciais mudanças no aparato governamental com a introdução de técnicas de
planejamento, hoje ausentes, e melhora de sua capacidade executiva, hoje tão
baixa.
Além disso, há possibilidades imensas nas parcerias com o setor
privado na área, por exemplo, de hidrovias e de estradas. Bastaria que o
governo federal substituísse o seu modelo inepto de concessões pelo modelo
paulista.
Quanto ao saneamento, além da eliminação do PIS-Cofins, é
preciso que o endividamento junto ao FGTS não seja mais entendido como dívida
bancária do setor público. O governo federal promoveu a retirada da Petrobrás e
da Eletrobrás da contabilização do resultado primário. Há como dizer que
Sabesp, Copasa e Sanepar, por exemplo, tenham gestão pior do que a daquelas
empresas?
Volto a um tópico que há muito tenho abordado: Rio de Janeiro,
São Paulo e outras grandes cidades têm uma demanda infinita por metrô e trens
urbanos. O governo federal nunca entrou de verdade nesse setor, e os Estados e
municípios não têm condições fiscais de dar conta das obras necessárias. Isso
tem de mudar, e a possibilidade é dada, paradoxalmente, por um erro monumental:
o trem-bala São Paulo-Rio - uma verdadeira alucinação, que custará pelos menos
R$ 65 bilhões. Esse projeto deveria ser suspenso e substituído por um programa
federal que mobilizaria aquele montante para investimentos massivos nos trilhos
urbanos.