No próximo ano, tenho a impressão que teremos um nome forte para esse festim nada santo, que acontece no Sábado de Aleluia, último dia da Semana Santa
Por Eder Fonseca - Brasil 247
Como todo mundo sabe, no último dia da Semana Santa acontece o Sábado de Aleluia. Nesse mesmo dia, temos a Malhação de Judas, ou Queima de Judas, como você preferir. Essa, digamos, "atividade recreativa", consiste em surrar um boneco do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos ou jornal, pelas ruas de um bairro e atear fogo a ele, normalmente ao meio dia. Cada nação realiza a tradição de um modo. Alguns queimam os bonecos em frente a cemitérios ou perto de igrejas. No Brasil, é comum enfeitar o boneco com máscaras ou placas com nome de políticos, técnicos de futebol ou mesmo personalidades não tão bem aceitas pelo povo.
No próximo ano, tenho a impressão que teremos um nome forte para esse festim nada santo. Acho que será o humorista do CQC (?), Rafinha Bastos. Já estava me esquecendo, a malhação já começou em setembro/outubro de 2011, não esperando nem mesmo chegar março/abril de 2012, saindo os paus e as pedras e entrando os dedos comichões nos teclados de computadores e aparelhos móveis, onde são publicados comentários no Twitter (uma nova parede de banheiro público em uma versão moderninha) e nas redes sociais de um modo geral.
Como é de conhecimento da nação, Rafinha foi afastado da bancada do CQC por ter feito uma piada à la Howard Stern contra a filha do filho de Francisco, Wanessa Camargo. O programa estava caminhando como o de costume até que depois de uma matéria (em que a cantora aparecia), o apresentador Marcelo Tas soltou a frase: "Que bonitinha que está a Wanessa Camargo grávida", disse o âncora sorridente. "Eu comeria ela e o bebê", interrompeu Rafinha. "Não tô nem aí". Ele já foi chamado a prestar depoimentos em uma delegacia por ter dito “Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra c…… Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um abraço. O ato [piada com Wanessa] passaria em branco se não fossem alguns burburinhos que ocorreram logo depois. Vamos às reflexões sobre o "acontecimento do ano" no Brasil.
Reflexão nº 1 – Rafinha não é maluco, burro e muito menos pervertido: Só mesmo um imbecil que não conhece o programa acharia que o humorista estava falando aquilo como se fosse uma verdade absoluta. O mestre Millôr Fernandes disse há alguns anos uma frase antológica: "Desconfie de alguém que ganha dinheiro com sua ideologia". Se fôssemos transportar a frase no caso de Rafinha, seria: "Desconfie de alguém que ganha dinheiro com sua escatologia (essa palavra tem dois sentidos, estou falando dela como excremento)". O F5 (site de entretenimento do Grupo Folha) publicou, um dia depois da ação impetuosa, um texto sobre o caso e teve que ver o humorista escrever no seu Twitter: “Olá Folha de SP, vai tomar no olho do teu c… Bjo no coração, Rafinha”. Se não me falha a memória, o gaúcho é casado com a produtora Junia Carvalho, com quem tem um filho, que deve estar prestes a fazer um ano. A pergunta que fica é: Será que ele teria coragem de "comer" a sua mulher grávida e o seu filho? A primeira hipótese é até louvável, pois sabemos que é normal um casal transar quando a mulher está gravida ou será que os casais dormem de calça durante a gestação? Agora seria inimaginável, execrável e surreal pensar que ele transaria com seu filho pequeno (ou será que temos gente com a mente de um Salvador Dalí por aí?). Alguém já pensou que ele queria falar: "Eu comeria ela mesmo grávida" e foi infeliz no que disse logo a seguir?
Reflexão nº 2 – Nada é novidade: O stand up comedy agressivo ou exploração comercial do preconceito é um fenômeno de áureos tempos. Alguns nomes são bastante conhecidos do público, como o atualmente sumido Andrew Dice Clay e o radialista multimilionário Howard Stern. Até o renomado cineasta Woody Allen começou a sua brilhante carreira fazendo esse tipo de humor. No Brasil, temos o escritor Marcelo Mirisola, que não é um humorista, mas que também usa um linguajar bastante parecido aos tais stand ups. Vamos pegar o exemplo de Stern. Conhecido pelo seu humor sexual, escatológico e racial, ele foi despedido da rede Clear Channel em 2004, e logo depois contratado pela Sirius XM Radio (faturando 40 milhões de dólares anuais e entrevistando as maiores celebridades do mundo, como Lady GaGa). De lá para cá, ele aprontou e muito. Vou me ater a dois casos famosos dos vários que poderia contar. No primeiro, ele disse em uma entrevista com o ex-namorado de Paris Hilton, o produtor de cinema Rick Salomon, se o mesmo tinha feito sexo anal com Paris no famoso filminho que depois rodou o mundo, via internet. Um tempo depois, em 2009, a famosa atriz pornô norte-americana Sasha Grey disse acreditar que o radialista é um racista não assumido – e que ela gostaria de ir ao programa dele enrolada em uma bandeira da Palestina (Stern é declaradamente pró-Israel). A resposta dele: "Ela é uma maldita atriz pornô. Ela chupa p... para sobreviver e quer vir aqui e me dar um sermão sobre como eu sou racista. Estou pouco me fo... Enrole a bandeira na sua cara e se sufoque com ela. Mude-se para a Palestina. Vá morar lá. Case-se, tenha filhos e treine-os para se explodirem em Israel. Vá ver como os palestinos tratam uma estrela pornô. Depois me diga a sensação de ser enterrada na areia e apedrejada na cabeça”. (A declaração de Rafinha Bastos perto disso é amadorística e muito pouco elaborada).
Reflexão nº 3 – Ronaldo ainda é um Fenômeno. Conseguiu derrubar o humorista assim como Aécio Neves derrubou Jorge Kajuru. O fato ocorreu no dia 19 de setembro. Se a piada fosse com outra pessoa sem a notoriedade e “bufunfa” de Wanessa, passaria batido como tantas outras já realizadas nesses três anos e pouco de 'Custe o Que Custar', mas como foi com a mulher do sócio de Ronaldo na empresa de marketing esportivo 9ine. O parceiro de Marcos Buaiz tomou as dores. O pior não foi nem isso, foi ver a indignação do "amigo da onça" de Rafinha, Marco Luque (que coincidentemente é ou era até ontem garoto propaganda da mesma operadora de telefonia que patrocina o jogador aposentado), também do CQC, que divulgou a seguinte nota: “Sobre a piada feita pelo Rafinha Bastos, no programa CQC, que foi ao ar no dia 19 de setembro, eu como pai, entendo e apoio a revolta e a indignação do Marcus Buaiz, um homem que conheço e respeito. Se fizesse uma piada com este contexto sobre a minha família, certamente ficaria ofendido. Com certeza uma piada idiota, de muito mal gosto”. Para o senhor Luque, eu deixo a frase de Danilo Gentili (sócio de Rafinha Bastos no empreendimento Comedians Club), endereçada ao mesmo e que foi apagada no Twitter depois de toda repercussão: “Sempre enxerguei algo mais significativo sendo construído por um comediante linchado por falar merda do que por um queridinho por puxar sacos”. Se ele está lá dentro e fala isso, quem sou eu para discordar? (O amigão do peito Ronaldo não quer mais gravar com ele o comercial da operadora, afinal não quer ver sua imagem atrelada ao CQC. Bem feito ao babador de ovo!)
Reflexão nº 4 – Contra os pobres tudo é permitido. Já contra os ricos e poderosos... O que aconteceu com o senhor Boris Casoy quando, no final de 2009, falou de boca cheia a ultrajante frase: "Que merda, dois lixeiros desejando felicidades… do alto de suas vassouras… dois lixeiros… o mais baixo da escala do trabalho…” E ali não era um personagem, ERA ELE MESMO, entenderam a diferença, torcida brasileira?
Reflexão nº 5 – Rock in Rio, uma lição: Você sabia que na música 'Cigaro', do System Of a Down (uma baita banda de rock, sem dúvida), uma das frases é a seguinte: "Meu p... é bem maior que o seu, meu p... chega a sair pela porta com um sentimento tão puro, ele te pega gritando para voltar". Eu não vi nenhum dos milhares de expectadores que estavam assistindo ao show reclamar de atentado violento ao pudor e tudo foi transmitido ao vivo pela Rede Globo e pelo seu canal a cabo Multishow. Será por que a canção era cantada em inglês (e muita gente nem sabe o que está ouvindo e assistindo ), já que se fosse em português, o show provavelmente não seria transmitido em tempo real pela Vênus Platinada, que cortou o Rage Against the Machine por muito menos que isso? (O vocalista Zach de la Rocha colocou o boné do MST na cabeça durante show feito no SWU, no ano passado).
Reflexão nº 6 – O Brasil é conservador? Que nada, já ouviu as letras que são cantadas pela Mulher Filé (música Estaladinha) ou Mc Catra (música Passa Nela) – Isso é um exemplo, viu patrulheiros de plantão? – Não as comerciais, mas as que são cantadas nos bailes funk. Acredito que muita gente que criticou adora requebrar ao som dessas duas músicas ou isso também não é liberdade de expressão? Até o 'Tremendão' Erasmo Carlos terá uma música que faz referência ao sexo oral na novela 'Aquele Beijo', que deve estrear às 19 horas do dia 17 de outubro na Rede Globo. Vocês sabiam disso, puritanos? Teve até uns babacas dizendo que a tatuagem do Rafinha influencia no caráter do cidadão. Se for assim, o homem que usa brincos é gay e muita gente que usa terno e gravata é honesto. Santa hipocrisia!
Reflexão nº 7 – Comediantes zombam do caso e com razão: “Pessoal, não vale piada com nada que o @ClaroRonaldo esteja relacionado. Ou seja, sem piada sobre Wanessa, gordos e travestis”, escreveu, por exemplo, o comediante Murilo Gun. Já Murilo Couto, colega da Gentili no talk show “Agora É Tarde”, observou: “E falam na decadência do humor. Chico Anysio fazia piadas pesadas, a diferença é que tava de peruca, a grosseria vira crítica”. Já Marcelo Madureira, o mais sem graça dos Cassetas, tem uma visão completamente diferente da maioria dos humoristas: “Quando você ofende alguém, é porque não houve graça, falhou. O que acho curioso no Rafinha Bastos é que ele tem um tipo de gracejo adolescente. É bobo”. Pensou se Lula fosse processá-lo também ou alguém não se lembra que ele chamou o ex-presidente de picareta e vagabundo no programa Manhattan Connection, que na época era transmitido pela GNT? Eu já estava me esquecendo. Para Madureira, isso é liberdade de expressão!
Reflexão nº 8 – Danilo Gentili será o próximo? Quem garante que a saída do apresentador do "Agora É Tarde", da trupe do CQC, se dá apenas pelo motivo que ele vai tocar o seu programa diário, e não pela frase dita sobre a presidenta Dilma Rousseff, publicada no jornal britânico 'The Observer'?: "Votar na Dilma porque ela foi torturada? Foda-se. Eu pedi para ela ser?", afirmou a publicação. "Sério. Um presidente tem que ser esperto. Se ela foi presa e torturada, é porque ela era uma idiota". Afinal, mais um zombador e provocador na turma dos inofensivos como Rafael Cortez e Felipe Andreoli poderia acabar com o programa, afastando os grandes anunciantes. Então é melhor que ele se ferre sozinho em seu programa, que passa quase na hora de todo mundo dormir.
Resumo da Ópera: Tudo isso só vem mostrar que muitos brasileiros não pensam com suas próprias cabeças. Se o senhor Ronaldo Nazário não tivesse tirado o Tea Party que está dentro de alguns, nada teria acontecido; que a televisão está amarrada em torno do poder esportivo, político, financeiro e religioso, e se esses são criticados, quem está os contrariando pode arrumar o seu "caixão". Fica a lição também que o clima por trás das câmeras do CQC não é dos melhores, tendo dois polos bem distintos lá dentro. Um mais agressivo, e que bate em tudo e em todos com uma força desproporcional (Danilo Gentili e Rafinha Bastos), e outro que exerce bem o lema: maçãs e uvas na boca dos meus amigos e ovos e tomates para os meus inimigos (Luque e Tas). Aí ficam-se as perguntas: Será que temos mesmo liberdade de expressão no País? Por que não reagimos com a mesma força contra o caos na saúde pública, contra a corrupção que corrói o Brasil nas esferas público-privada, contra o aumento de taxas de serviços essenciais ou contra aqueles que praticam a Lei de Gérson nas pequenas e grandes coisas do nosso cotidiano? Quanto a Rafinha Bastos, resta saber se ele será daqui para frente um Howard Stern (milionário e prestigiado) ou um Andrew Dice Clay (apagado e sumido). É de se pensar. Já que hoje é o humorista falastrão, amanhã pode ser eu e outros jornalistas que escrevem artigos mais críticos. Você por comentar com mais cólera um certo assunto, cineastas como José Padilha, que colocam as vísceras da corrupção em quase todos os seus filmes, os chargistas e ilustradores como meu amigo Roque Sponholz, que batem com força e violência no Governo e na oposição, o vlogueiro Felipe Neto, que faz vídeos tirando sarro em alguns famosos e assim por diante. É como dizia o grande poeta Carlos Drummond de Andrade: "Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre seus erros ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado. E é assim que perdemos pessoas especiais". Sem mais.
Eder Fonseca é fundador do portal Panorama Mercantil.
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