por Guilherme Meirelles, no Observatório da Imprensa
Apenas sete meses separam a figura da personalidade mundial mais influente no Twitter daquela hoje odiada por boa parte dos brasileiros pelo seu humor corrosivo e de gosto duvidoso. Com atuação em programas que não atingem 5% de audiência, sem jamais ter participado de novelas e atuando unicamente em espetáculos-solo (os chamados stand up comedy) em casas alternativas e cidades do interior, o ator e humorista gaúcho Rafinha Bastos ganhou fama, dinheiro, amor e ódio graças às suas bem-sucedidas estratégias no ambiente digital, em especial na rede de microblogues Twitter e no site de compartilhamento de vídeos YouTube.
A intenção deste ensaio não é polemizar sobre o mérito do humorista ou sobre a agressividade de suas piadas, em especial a que gerou maior celeuma, envolvendo a cantora Wanessa Camargo, grávida de cinco meses – “comeria ela e o bebê”, disse Rafinha, ao vivo, na bancada do programa semanal CQC, fato que gerou a sua suspensão do programa por ordem da Rede Bandeirantes. Extra-oficialmente, o motivo alegado foi suposta pressão de anunciantes em razão da influência do marido da cantora, o empresário da noite Marcus Buaiz e seu sócio, o ex-jogador Ronaldo. Antes deste episódio, Rafinha já havia enfrentado problemas com o Ministério Público devido a uma piada que conta em seu espetáculo A Arte do Insulto, na qual aborda o estupro e as mulheres consideradas feias. No caso, o vídeo foi parar no YouTube e acabou gerando a ira de feministas e promotores, que acusaram Rafinha de “estimular o estupro”.
Rafinha Bastos não é o primeiro e nem será o último humorista a fazer uso de piadas consideradas grosseiras e preconceituosas. O seu colega de programa, Danilo Gentilli, igualmente passou maus bocados por causa de uma piada no Twitter sobre os judeus. Em gerações anteriores, humoristas como Costinha, Ary Toledo e os integrantes do grupo Casseta & Planeta (em sua fase inicial) usaram e abusaram de temas politicamente incorretos. Mas, nem de longe enfrentaram a reação exacerbada de determinados setores da sociedade e da mídia, inclusive da revista Veja-SP, normalmente dedicada a temas da capital paulistana, que estampou o artista em sua capa com o título “Rafinha Bastos, o novo Rei da Baixaria”.
O mais influente no Twitter
Por que, então, tamanha preocupação com um humorista restrito a pequenas plateias e programas de baixa audiência? “É a internet, estúpido”, pode-se dizer, parafraseando James Carville, então marqueteiro da campanha de Bill Clinton, em 1992, ao explicar a importância da economia na hora do voto.
Desde 1998, Rafinha Bastos utiliza as ferramentas da web para mostrar o seu trabalho como ator e comediante. Em Porto Alegre, sua cidade natal, bem antes da criação do YouTube, Rafinha já colocava seus vídeos na internet e obtinha cerca de 10 mil visualizações mensais. Quando chegou a São Paulo, intensificou seus conhecimentos e desde 2008 passou a postar as suas atividades no Twitter. Desde então, foram 4.942 tuitadas, o que tornou o seu perfil @rafinhabastos um dos mais seguidos do Brasil, hoje com 3.236.713 seguidores.
Há outros perfis mais populares, tanto no Brasil (caso do jogador do Real Madrid, Kaká (@kaka), com quase 6,3 milhões de seguidores) como no planeta, cuja liderança é da cantora Lady Gaga (@ladygaga), com mais de 14 milhões em todo o mundo. Mas, nenhum tão influente e capaz de gerar dinheiro para si próprio como o de Rafinha Bastos. Em março, o jornal americano NY Times publicou um estudo do Twitalyzer, serviço independente que mede a popularidade dos perfis na rede social,que apontava o humorista brasileiro como a pessoa mais influente no Twitter, superando celebridades mundiais como Lady Gaga, o rapper Snoop Dogg e o presidente americano Barack Obama (@barackobama). Para chegar a esta conclusão, a pesquisa não se baseou apenas no número de seguidores (na época, Rafinha tinha cerca de 2 milhões), e sim, na quantidade de vezes que suas mensagens são retuitadas.
Falando o que bem quer
O seu sucesso meteórico atraiu a atenção de publicações especializadas, como a conceituada revista americana Wired, considerada a Bíblia dos aficionados pelo mundo digital, que, em sua edição de março, procurou saber como um desconhecido comediante latino-americano havia superado nomes bem mais festejados no planeta. A entrevista passou em brancas nuvens pela grande mídia nacional, talvez ainda descrente do impacto e da influência dos tweets e das declarações de Rafinha Bastos.
Na entrevista concedida ao repórter Caleb Garling, Rafinha conta como foi o seu ingresso no mundo virtual, revela detalhes de sua estratégia e, ambicioso, não teve pudores em dizer que apostava alto em sua carreira, ao anunciar planos para tentar o mundo do show business em Nova York e Los Angeles, admitindo que precisava melhorar seu conhecimento do idioma inglês. Talvez pela inexperiência no mundo dos negócios, ou quem sabe, no afã de ganhar novos clientes, Rafinha abriu o jogo para a revista e revelou números que normalmente costumam ficar restritos em reuniões de cunho comercial. Para cada tuitada de um cliente, Rafinha cobrava na época US$ 4 mil, sendo que a postagem recebia, em média, 2 mil retuitagens. Um excelente negócio para ambas as partes, tendo em vista o custo zero da estratégia.
Em artigo que abordava a compra da empresa Tweetdeck pelo Twitter, o jornalista Pedro Doria destacava um ponto fundamental na diferença entre a rede de microblogues e outros grandes nomes da rede. “Google e Facebook têm quase que controle total de como suas redes são usadas. O Twitter, não.”
Hábil, Rafinha fazia uso de sua visibilidade na TV, lotava auditórios com seus espetáculos, angariava novos clientes no mundo publicitário e, principalmente, influenciava pessoas em todo Brasil, falando o que bem quisesse no Twitter. Entre seus alvos, estão desde poderosos grupos de mídia (Olá, Folha de SP, vai tomar no olho do c… Bjo no coração, Rafinha, postado em 20 de setembro), operadoras de telefonia móvel (Ter um iPhone c/ conta na Tim é como ter uma Ferrari movida a suco de abacaxi, em 14 de setembro) e companhias aéreas (Na coluna “Carta do Presidente” da revista TAM, gostaria q ele dissesse qdo conseguirei limpar minha bunda em suas aeronaves, na mesma data).
A chegada da Netflix ao Brasil
Ao que parece, a entrevista concedida à Wired rendeu frutos para o humorista. Em setembro, o mesmo New York Times voltou a tocar no tema e dedicou uma página de sua edição dominical, em matéria assinada pelo ex-correspondente no Brasil, Larry Rohter. Sem se expressar em inglês e unicamente graças ao Twitter, este gaúcho de 34 anos parecia chegar ao patamar onde brasileiro alguma havia chegado até então.
Sempre de forma propositiva, Rafinha, então, ampliou a sua atuação no ambiente digital. Utilizando a rede social Google+, onde hoje conta com 150.837 seguidores, passou a fazer promoções pelo Twitter, como a distribuição de ingresso (foram 106, com direito a acompanhante) para o Rock in Rio, no final de setembro. Curiosamente, é pouco ativo na rede Facebook, embora conte com uma página “curtida” por 205.617 seguidores (dados de 10 de outubro). Tem ainda no FB, pelo menos, dois perfis (possivelmente fakes) com poucos seguidores. Mas, seu prestígio pode ser medido pelos vídeos acessados e compartilhados do YouTube. O mais recente, na primeira semana de outubro, chamado “Churrascaria”, no qual ironiza o seu afastamento no CQC, teve 43.768 compartilhamentos (dados de 10 de outubro).
Mas, o que poderia acontecer caso Rafinha Bastos colocasse a sua marca vinculada a um negócio capaz de interferir diretamente nos negócios das grandes redes de comunicação? No início de setembro, a Netflix, maior grupo americano no serviço de assinaturas de filmes e séries via streaming anunciou a sua chegada ao Brasil, com preço arrasa-quarteirão de R$ 14,99 mensais. Embora as principais operadoras de TV a cabo não tenham se pronunciado, é certo que a entrada deste novo player provocou inquietação no setor, já que a Netflix é apontada por especialistas como uma das responsáveis pelos problemas financeiros da mega locadora Blockbuster, nos Estados Unidos e no Canadá, países onde conta com 25 milhões de assinantes.
Não há como bloquear o perfil @rafinhabastos
Assim, era perfeitamente compreensível que uma das primeiras ações da companhia no Brasil envolvesse o nome mais influente do Twitter. A Netflix não perdeu tempo e fechou com o humorista a exclusividade na comercialização on demand do filme A Arte do Insulto, passando logo a receber tuitadas positivas no perfil do artista. Igualmente compreensível seria supor o estrago capaz de ser provocado por uma tuitada do humorista criticando a qualidade das concorrentes da Netflix (como NetMovies e Terra, por exemplo) ou comparando os preços cobrados, o que não aconteceu até a presente data.
Desde o início de outubro, Rafinha submergiu e nas poucas vezes em que se manifestou pelo Twitter usou da ironia para criticar a sua saída temporária da TV. Os primeiros números dos medidores de audiência revelaram uma pequena queda no CQC e ainda não é possível mensurar como a imagem do humorista foi abalada bem como os clientes associados ao seu nome. Passadas três semanas desde a polêmica declaração, o assunto permanece agendado em todos os portais, jornais impressos, revistas e mídias diversas. O moralismo envolvido como pano de fundo perdeu sua força, a questão ganho novos contornos, surgindo vozes em sua defesa alegando a liberdade de expressão.
Seja qual for o desfecho, o que ficou claro é o medo e o total desconhecimento dos impactos que uma rede virtual pode provocar na sociedade, ainda mais com a integração e a convergência das mídias envolvidas. Lembra a mitológica figura grega da Hidra, animal com nove cabeças e que, a cada uma destruída, nascia outra em seu lugar. Mesmo fora da TV, não há como bloquear o perfil @rafinhabastos, tendo em vista a ação já desenvolvida pelo artista nos ambientes digitais. A rede é livre e é com ela que a sociedade será obrigada a conviver daqui para a frente. A influência de Rafinha Bastos pode declinar em menor ou maior espaço de tempo, mas outros ocuparão o seu lugar e novos desafios serão postos à mesa, cada vez com ingredientes mais requintados na eterna busca pelo poder de agir e influenciar o comportamento das pessoas.
Guilherme Meirelles é jornalista, São Paulo, SP
Extraido do viomundo
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