domingo, 11 de dezembro de 2011

Novas mídias alteram a forma de se fazer jornalismo hoje

De Sérgio Henrique Santos Diário de Natal


 "Sempre fui radical, não faço crônicas, nem colunismo de opinião. Sou repórter de rua. O que observo é que hoje concorremos com blogs, assessorias de imprensa, até mesmo os governantes se apresentam como comunicadores..."  Caco Barcellos

A presença maciça das pessoas na internet e as novas mídias estão mudando não apenas as relações sociais, mas a própria comunicação. As chamadas formas não-convencionais de comunicação modificaram a forma de se fazer jornalismo. Agora a função do profissional de imprensa está muito mais ligada ao público que colabora com as informações, mas isso não diminui sua responsabilidade na apuração, nem o compromisso com os chamados "furos", dar a notícia em primeira mão. O assunto foi discutido no seminário A Sociedade em Rede e a Comunicação, realizado esta semana no Teatro Vivo em São Paulo (SP). Entre os convidados, nomes importantes do jornalismo e da comunicação, como a teórica Lúcia Santaella (PUC-SP), Contardo Calligaris (Folha), e os jornalistas Marcelo Tas (Band), Caco Barcellos (Globo) e Rosana Hermann (Record News), apenas para citar alguns nomes.


O jornalista Caco Barcellos mediou um dos debates, e começou polemizando. "É mais importante contar primeiroou contar melhor?", questionou. "Sempre fui radical, não faço crônicas, nem colunismo de opinião. Sou repórter de rua. O que observo é que hoje concorremos com blogs, assessorias de imprensa, até mesmo os governantes se apresentam como comunicadores. Mas ainda temos que ter em mente é a precisão do que escrevemos. Somos historiadores do presente. Um erro nosso, no futuro, comprometerá o trabalho do sociólogo, e mais à frente ainda, dos historiadores".

Um dos principais pontos positivos do surgimento das novas mídias é a interação que o comunicador tem com o público leitor, que também produz conteúdo. "Antes eu mantinha um diálogo de abstração com meus leitores. Lendo os comentários dos posts que faço, percebo que o retorno do trabalho é muito mais rápido", contou José Paulo Kupfer, que já ocupou todos os cargos inerentes à profissão, de repórter a editor-chefe no Rio e em São Paulo. O blog que ele mantém hoje, no portal do Estado de S.Paulo, recebe 40 mil visitas por dia. "O uso de ferramentas como o Twittertambém é positivo. Para mim ele é útil quando traz links, que levam a informações. Não faz muito sentido o formador de opinião usar essa ferramenta para dizer que acordou ou saiu de casa".

O jornalista também citou um exemplo de como as novas mídias mudaram a forma de se fazer jornalismo ao dar mais rapidez ao conteúdo publicado. "Na época da morte de Tancredo Neves, foi necessário que eu escrevesse previamente o texto sobre sua posse, para publicação na revista Exame que sairia dois dias depois. Fiz o texto, dei posse a Tancredo, a revista foi às ruas, mas ele não assumiu o cargo. Foi internado no hospital e todo mundo sabe do resto da história. Desde essa época, aprendi a escrever que está previsto determinada coisa, e não que determinada coisa aconteceu. Hoje, com a internet, esse risco de erro é mínimo. Só se não houver apuração correta dos fatos".

Marcelo Moreira, editor-chefe do telejornal RJTV 2ª Edição (TV Globo-RJ), diz que outra novidade é o acesso a novas informações. "Agora temos imagens que antesdificilmente teríamos acesso. Só que o jornalista não é simplesmente um produtor de conteúdo. Colocar material na internet todo mundo pode fazer. Ao profissional de imprensa cabe o que sempre foi sua missão: filtrar as informações e produzir uma informação que interesse à sociedade", observou. Um exemplo disso ocorreu na prisão do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, líder do tráfico na favela da Rocinha, no Rio. Um morador da Gávea foi o primeiro a enviar à redação da emissora onde Moreira trabalha imagens da escolta de policiais ao traficante. "Nós não soltamos a imagem de imediato. Checamos e observamos que se tratava de um fato realmente relevante".

O âncora da BandNews FM, Eduardo Barão, por trabalhar numa rádio, já está acostumado à interatividade do público com o comunicador. "Por ser um veículo de momento, o rádio possibilita apurar a informação ao vivo mesmo, no momento em que o fato acontece. Uma ferramenta simples como o telefone serve a esse objetivo. Óbvio, com o cuidado de não levar ao ouvinte qualquer informação que chega à emissora. Tem que ter filtro, até porque é impossível estar em todos os lugares ao mesmo tempo", destacou ele.

A rede e os comunicadores

O contato pessoal do jornalista com as fontes, o olho no olho, ainda é a melhor forma de se fazer reportagens. Pelo menos essa é a opinião compartilhada pela maioria dos estudiosos do jornalismo presentes no evento do Teatro Vivo. O jornalista Caco Barcellos, que conduz semanalmente o programa Profissão Repórter (TV Globo), orienta sua equipe de 'focas', como são chamados os recém-formados, a evitar um erro comum a qualquer editor ou chefe de reportagem que elabore uma pauta. "Falo para eles evitarem correr pra internet assim que entregamos a pauta. Quando se publica ou se exibe uma informação já disponível na rede o que está se fazendo é replicar a informação. A internet é uma fonte a mais. É preciso não usá-la como única", defende. Caco destacou que apenas um por cento do que está na rede é produção original, o restante é réplica.

LucianoPalma, consultor de redes sociais, disse que alguns interesses do jornalista se frustram quando algum "furo" é dado pelo Twitter. "Só que as pessoas não percebem que agora o Twitter é o furo. Tem verdades e mentiras publicadas, e replicadas frequentemente. Não há como competir com boatos. O boato sempre chega antes da verdade". Já Lúcia Santaella, professora da PUC-SP e influente teórica que escreve sobre semiótica, sintetizou as mudanças proporcionadas pelas redes sociais como inerentes aos indivíduos que as usam. "A transformação é no ser humano. As redes sociais, hoje, são a ponta de um iceberg. No futuro não vamos nos contentar só com isso. Estamos num nível tão avançado, que são os computadores que se adaptam ao cotidiano das pessoas, e não o contrário".

O futuro está entre nós, diz jornalista

O futuro das novas mídias parece incerto, e também a forma de se comunicar também vai mudar. Rosana Hermann, jornalista do portal R7.com e da rede Record News, acredita que nem mesmo os personagens do desenho animado Os Jetsons imaginaram o futuro que existe hoje. "Não existem aqueles aparelhos modernosos que substituem o homem, que são um faz-tudo. O futuro está em nós", frisou. Marcelo Tas acredita que nesse futuro as pessoas vão se descobrir que vivem no presente. "Vamos deixar de pensar no futuro. Escreveremos sobre o presente. Aliás, muita gente diz que, com essas tecnologias, perdeu-se o hábito de escrever. Eu acho que não. Nunca se escreveu tanto quanto agora na história da humanidade".

Tas se refere ao aumento no número de livros comercializados nos últimos anos. "Para se ter uma ideia do quanto escrevemos mais hoje do que antes, eu sou o exemplo de pessoa que usa mais o aparelho celular para trafegar textos do que para falar ao telefone", comparou. Se futuramente haverá mais produção, a colaboração em rede se mostra como algo fundamental. Ana Brambilla, jornalista e pesquisadora do mundo digital que estuda a mídia colaborativa há alguns anos, credita a colaboração em rede, no caso do Brasil, aos brasileiros. "Somos um povo muito comunicativo, e as pessoas usam canais como Youtube e Wikipedia para colocar informações. Ai a pergunta: estão fazendo jornalismo? Não. São conteúdos colaborativos. Cabe ao jornalista, ao invés de replicar a informação, buscar nesse público a informação que chega à redação. Assim se faz jornalismo com a colaboração das redes sociais".

Contudo, uma editoria específica parece ainda distante da forma de se fazer jornalismo na atualidade: o esporte. Pelo menos essa é a opinião de Sérgio Xavier Filho, redator-chefe da revista Placar, um dos convidados do painel que discutiu a rede e o futuro. "O jornalismo esportivo, e aquele que cobre futebol em particular, me parece atrasado em comparação com o resto. O futebol demorou demais para entrar na internet. Ainda buscamos uma fórmula sobreo que o leitor quer quando acessa um site em busca de informação esportiva. Aliás, não sabemos nem de quem é o gol no futebol. Em alguns países há legislação específica para isso. Time que sedia competições têm direitos sobre o maior momento do futebol. Aqui ainda estamos distantes disso".


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