O textículo aeciano da semana tem como título “Coragem” (FSP, 23/04). É
mais um exercício de sociometria de buteco. Aécio pega números de aparelhos
celulares (250 milhões!) vendidos no Brasil para fazer apologia das
privatizações de FHC.
Na análise rasa, o número divulgado seria um grande indicador que daria
conta de duas discussões ideológicas: a primeira demonstraria algum tipo de
mobilidade social ascendente, em face do acesso “universal” à telefonia celular
(nesse caso representada pela posse de aparelhos - sic); a segunda, seria a
demonstração da superioridade da lógica privatizante.
A vida, como ela é, exige mais. O “fenômeno” da venda de mais aparelhos
celulares do que a população residente não decorre da exultação com a
tecnologia e a sua disponibilidade, mas de falhas e problemas do próprio
“modelo”. Seja porque as pessoas adquirem mais de um aparelho para tentar
equilibrar as contas altas, usando as “promoções” das operadoras; seja pela
oferta delirante desses mesmos aparelhos, que se tornaram commodities, em
supostas vantagens oferecidas pelas mesmas operadoras. O número de reclamações
nos procons contra operadoras e
fabricantes dessas commodities coloca problemas para a sociometria rasa de
Aécio. As filas enfrentadas pelos consumidores, na tentativa de reparar
equipamentos, que o digam. Isso sem falar nas reclamações de péssimo
atendimento e a enrolação nos serviços de gerundismo telefônico ao qual
recorremos, para sanar as panes, cobranças a mais e pedir explicações sobre
coberturas precárias.
O custo desse serviço para o consumidor é o mais caro do mundo e a
qualidade é mediana.
Mas, a rigor, não é disso que trata o artigo de Aécio Neves. Os 250
milhões de aparelhos celulares entram na prosa, apenas para que ele percorra
sua via crucis.
Ele tem de saciar a fome de seu partido, que lhe cobra estatura de líder
da oposição. Outra “fome” que o senador eleito por Minas Gerais tem de saciar é
a da mídia que tenta ocupar o lugar do PSDB, DEM e PPS, enquanto esses partidos
resolvem seus dramas de obsolescência. Ai dele quando busca a discrição própria
de quem tem telhado de vidro. Os jornalões o caçam impiedosamente.
E sua tragédia se completa, quando faz a apologia de algo que está sob
forte questionamento no mundo, que foi o processo de privatizações ocorrido
principalmente na década de 1990. Para não pegarmos exemplos da Grécia,
Espanha, Irlanda, Inglaterra etc., ficaremos com os trens urbanos no Rio de
Janeiro. Privatizados há dez anos, não receberam os investimentos previstos das
empresas concessionárias e agora transbordam em graves e estruturais problemas.
O mesmo ocorre com várias rodovias concedidas, no “modelo” tucano: sem os
aportes privados alardeados só resta aos poderes públicos ou injetar recursos
para melhorar suas condições ou pressionar para a “revenda” da concessão a
outras empresas. A Light (RJ) é outro exemplo do qual, passada euforia inicial
de sua privatização, os prejuízos aos cofres públicos e o péssimo serviço prestado são os
indicadores de que algo vai mal no paraíso do neoliberalismo.
O caminho de Aécio é duro. É péssimo exemplo quando se trata de responsabilidade
fiscal, de gestão pública (Minas Gerais está quebrada) e de conduta pessoal de
alguém que almeja ser presidente da República. Ele foi “poder” no Brasil, por
16 anos. Foi governador por quase oito. Tudo que falar será objeto de
contestação factual, com fortes provas empíricas.
Por isso, a única coragem que ele reúne é a de blefar. Enquanto a
cachoeira de fracassos de seu neoliberalismo no mundo e no Brasil não se secar,
só lhe resta isso: reunir “coragens” para assinar bobagens.
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