segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Rocinha: O Bolso


O BOLSO
Por Arthur Viváqua


Ilustração do Blog
O calor era imenso dentro do bolso daquele jeans velho. No entanto, pelo que eu havia visto na TV ultimamente, locais como aquele seriam minha única alternativa de sobrevivência a partir dali.

Aproveitando-me de um "furinho estratégico", pude de onde estava ver o grupo de repórteres e cameramans que cercavam o Policial sorridente.
- Coronel, - Perguntou um jovem repórter, conseguindo elevar sua voz ao burburinho da pequena multidão. - como o senhor qualifica a atuação da Polícia na ocupação da Rocinha?
O sorriso do Coronel (que, se não fosse pelo título, seria chamado de "coroa baixinho e careca") se ampliou ainda mais.
- Exemplar. Acho que nenhuma outra palavra definiria tão bem a postura de nossa Equipe na tomada dessa querida Comunidade.
 - E o que será da Rocinha de agora em diante? - A pergunta vinha de uma repórter cujo cabelo estava banhado em laquê.
- A amada Rocinha será o retrato de uma vida repleta de felicidade. - Respondeu o seguro Coronel. - Sem a presença do Tráfico, as pessoas humildes e trabalhadoras poderão finalmente desfrutar da tranquilidade de se viver neste lindo Morro!
Flashes pipocavam a todo instante. Uma nova voz se fez ouvir em meio ao tumulto:
- Mas e quanto às precárias condições de vida da maioria da população da Rocinha, Coronel? O Governo prevê alguma mudança efetiva?
Mesmo sendo leigo no assunto, pude perceber um ligeiro tremor no sorriso do Coronel.
- Bem, para chegarmos ao topo de uma escada devemos subir um degrau de cada vez. - Respondeu o corajoso combatente, utilizando-se da culatra mais próxima.
- E quanto à conscientização da população, Coronel? - Insistiu o (incoveniente!) repórter. - E quanto àqueles que, mesmo não sendo traficantes, sobreviviam indiretamente do Tráfico? E quanto aos enormes abismos na Educação, Saneamento Básico e Saúde, por exemplo?
Desta vez o sorriso perdeu cerca de 40% do vigor.
- Mantenho a Parábola da Escada. - Respondeu o Coronel, começando a tentar se desvencilhar dos repórteres.
- E quanto às drogas, Coronel? - Perguntou a (comprada?) repórter do laquê no cabelo. - O consumo irá diminuir?
Revigorado pela pergunta, o Coronel estufou o peito antes de responder:
- O Crack e seus lacaios se despediram da Rocinha assim que chegamos! Ao derrotarmos o tráfico, derrotamos a Droga!
Satisfeito com seu Gran Finale, o Herói Nacional começou a andar.
- Sem mais perguntas! - Determinou. - Obrigado pela atenção de todos...
A rodinha intelectual começou a se dispersar.
- Mande pro pessoal da Edição, César! - Disse um dos repórteres ao meu dono. - Mande cortarem a antepenúltima e a penúltima pergunta, OK? E diga que eu bolarei um texto bem encorajador!
- 'xá comigo. - Respondeu meu dono. Pude sentir a calça jeans se remexer enquanto ele se afastava.
Andamos cautelosamente até o beco mais próximo. Pressenti (com indisfarçável alegria!) que minha estada no fétido bolso estava prestes a terminar.
Minha intuição mostrou-se certa quando meu dono pousou a câmera no chão, retirou-me de seu bolso e encarou-me com uma mescla de alegria e preocupação.
- Coronel idiota... - Resmungou, enquanto procurava seu cachimbo. - Onde é que eu vou ter que te buscar agora?



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