sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A estratégia da despolitização da crise política


por Maria Inês Nassif  Carta Maior

A presidenta Dilma emprendeu, até aqui, uma estratégia de despolitização da ofensiva sistemática aos integrantes de seu Ministério. Quando isso não for mais possível, será mais difícil formular uma agenda política com partidos desgastados num processo onde a único resultado palpável, até agora, foi o de questionar a legitimidade de cada partido da base aliada. Inclusive do próprio PT.

O que causa espécie nas crises políticas enfrentadas pela presidenta Dilma Roussef desde 1° de janeiro até o mês que encerra 2011 é a sua estratégia, até agora bem-sucedida, de despolizitar a ofensiva sistemática aos integrantes de seu Ministério pela imprensa, por partidos aliados ou, em menor intensidade, por partidos adversários. Na verdade, a despolitização é o resultado mais evidente do comportamento da presidenta, de substituir ministros num prazo não tão pequeno que pareça rendição aos ataques ou dê a impressão de que suprimiu direito de defesa do acusado, nem tão grande que pareça que vá comprar a briga por um subalterno.
De qualquer forma, um comportamento político previsível como este não deixa de alimentar, do lado da imprensa, a vaidade do poder que decorre de uma derrubada de ministro; e, dos “amigos” do poder, a tentação de aproveitar as oportunidades que se colocam para ocupar espaços dentro de seu partido ou em favor da sua legenda na base de apoio do governo.
Para ambos, amigos e inimigos, prevalece a estratégia do “vazamento” de informações; a mídia entra com a escandalização do fato, existam ou não indícios crimes cometidos (a estratégia da repetição é muito eficiente nisso).
Até agora, houve despolitização porque a presidenta tem demitido o auxiliar sob a mira dos atiradores de elite antes que o ataque especulativo ao governo não resulte em um grande desgaste. Convenha-se, no entanto, que a soma de pequenos desgastes resultantes da queda de sete ministros, com grandes chances de emplacar um oitavo, acaba, no mínimo, colocando o governo em constante defensiva. A opção de ir levando a administração com as orientações políticas emanadas do Palácio do Planalto, as soluções técnicas gerenciadas pela Casa Civil e uma gestão mais coesa das políticas econômica e monetária, reduzindo a importância dos ministros impostos pelos partidos da bases aliada, tem lá os seus limites.

Outra razão da despolitização é o estado de pauperização da oposição, que saiu pequena das eleições do ano passado e se viu ainda mais desimportante depois do racha do DEM, patrocinado pelo prefeito paulista Gilberto Kassab. A ofensiva oposicionista parte da imprensa, mas a denúncia, vinda de fora dos partidos e ao estilo “imprensa marrom”, como já designava Antonio Gramsci no início do século passado, tem bastante eficiência na formação de consensos.

Por enquanto, os consensos são sedimentados na parcela que lê jornal ou acessa mídias tradicionais – que no caso brasileiro é muito restritra, perto dos muitos recém-letrados que não entraram apenas na sociedade de consumo de bens duráveis, mas também na sociedade de consumo de cultura, mas pela porta da internet – são o de que todos os partidos são iguais (ou a esquerda no poder se corrompe mais do que a direita, portanto todo poder à direita); e que a democracia tem uma eficiência questionável do ponto de vista ético.

Mais adiante, depois de mais alguns ministros derrubados, pode consolidar-se o consenso nessa classe mais tradicional (que tem mais tempo de vida na sociedade de consumo e consome mais) de que Dilma é boa técnica, mas está inviabilizada pela política. Agora, a moda é bater no “presidencialismo de coalizão”, como se o problema fossem as alianças, e não a excessiva exposição dos partidos ao poder econômico, via financiamento privado de partidos e de eleições.

Quando despolitiza esse debate, colocando-o apenas na órbita das suspeitas que devem ser investigadas pela polícia e apuradas pela Justiça, Dilma se afasta dos partidos políticos que podem prejudicar a sua imagem perante a opinião pública que forma consensos via mídia tradicional (sem que possa prever até quando conseguirá separar os partidos da base aliada de seu governo). Perde, todavia, a autoridade política para discutir, junto aos partidos, soluções estruturais para a renovação da estrutura partidária brasileira. Se a postura diante das sucessivas crises com os partidos tivesse sido a de assumir a discussão sobre as necessidades de financiamento do sistema que colocam a política no submundo da economia, poderia ter liderado um debate sobre a reforma política mesmo arriscando contrariar parte da base aliada.

Somente a Presidência da República tem, hoje, um poder de agendamento político que pode se contrapor ao da mídia – os veículos tradicionais podem estar ilhados, como formadores de opinião, nas classes tradicionais, mas ainda têm grande poder de definir os temas da agenda. Tanto que as denúncias contra ministros pautaram o cenário nacional, enquanto corria paralelamente no Congresso, a duras penas e sem qualquer ajuda do governo, o debate sobre a reforma política, adiado, como sempre, para outra oportunidade.

A neutralização “técnica” dessas denúncias, como lembrou Luís Nassif ontem (7/12), em seu blog, foi de alguma forma sustentada pela gestão econômica. Com a errada de mão da política de juros do BC no primeiro semestre, e os resultados pífios de crescimento nesse final de ano, a eficiência da estratégia de sobrepor a gestão técnica aos problemas políticos do governo pode ser bem menor. E quando a despolitização não for mais possível, será mais difícil formular uma agenda política com partidos desgastados num processo onde a único resultado palpável, até agora, foi o de questionar a legitimidade de cada partido da base aliada. Inclusive do próprio PT.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

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