quinta-feira, 8 de março de 2012

Demóstenes no Senado, a política e a contravenção

Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho
Demóstenes Torres/ABr
Após subir à tribuna do Senado na terça-feira para explicar suas relações com o notório contraventor Carlinhos Cacheira, preso na semana passada pela Polícia Federal, Demóstenes Torres (DEM-GO) recebeu 44 apartes de seus colegas de vários partidos, todos se solidarizando com ele. Nenhum o questionou.

Em resumo, Torres negou que tivesse negócios com Cachoeira, a quem chama de empresário, e justificou as 298 ligações telefônicas entre os dois gravadas pela PF no ano passado apenas por cultivarem uma grande amizade.
"É meu amigo. É uma figura conhecida em Goiás, simpática com todo mundo, é um empresário daqui. Carlinhos não era conhecido entre nós por explorar jogos de azar. Ele tinha explorado, lá atrás, jogos legais em Goiás. Para os amigos, dizia que não mexia com nada ilegal", explicou Torres à revista Veja antes de falar no Senado.
Procurador do Estado e ex-secretário de Segurança Pública de Goiás, 51 anos, o senador do DEM, que já teve seu nome cogitado pelo partido para disputar a presidência da República, acreditou nas palavras do amigo e garantiu não saber que ele comandava o jogo do bicho na região Centro-Oeste, além de integrar uma quadrilha acusada de explorar máquinas caça-níqueis e pagar propina a agentes públicos.
Também não estranhou nada quando ganhou do amigo como presente de casamento uma cozinha, avaliada em R$ 50 mil, de uma marca americana conhecida por equipar a Casa Branca.
O escândalo sobre as ligações de Cachoeira com políticos e policiais de Goiás investigada durante a Operação Monte Carlo estourou na semana passada e já levou 34 pessoas para a cadeia.
Mas Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira,  agora hospedado no presídio de segurança máxima em Mossoró, no Rio Grande do Norte, ficou nacionalmente famoso muitos anos antes. Em 2004, após a divulgação de um vídeo em que foi flagrado ao pagar propina para Valdomiro Diniz, amigo de José Dirceu e assessor do ministro-chefe da Casa Civil no início do governo Lula, deixou de ser um contraventor anônimo.
Por uma ironia da vida, Cachoeira (10 anos) e Diniz (15 anos) foram condenados na semana passada, oito anos depois, dois dias antes do início da Operação Monte Carlo, que levou o nome do senador Demóstenes Torres para o noticiário, desta vez sem ser para denunciar malfeitos de ministros do governo petista, como costuma acontecer com frequência.
As ligações entre a política e a contravenção vêm dos tempos em que campanhas eleitorais eram financiadas por cafetões e bicheiros, muito antes dos bancos e das empreiteiras, quando ainda não se tinha conhecimento de personagens como Marcos Valério, que começou trabalhando para os tucanos em Minas e acabou se tornando famoso no caso do mensalão do PT que abalou o governo Lula.
Cachoeira fez o caminho inverso ao de Valério: depois de  surgir no cenário pagando propina a  pessoas do PT, agora tem seu nome ligado a políticos do DEM e do PSDB do governador Marconi Perillo, o que prova apenas uma obviedade: a contravenção, tal qual a política partidária de hoje em dia, não é movida por qualquer pudor ideológico.


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