quinta-feira, 31 de maio de 2012

Gilmar Mendes: impeachment de ministros do STF e por que eles também precisam de apoio político

do Para entender Direito
 
Saiu na Folha de hoje (31/5/12):

Para STF, atrito com Lula é caso pessoal
A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) avalia que a corte não deve se posicionar em defesa do colega Gilmar Mendes ou contra o ex-presidente Lula. Entre os magistrados, predomina o entendimento de que o encontro entre Lula e Gilmar não foi um episódio institucional, mas pessoal.
A posição foi tomada a partir de consulta feita nos últimos dias pelo presidente do STF, Carlos Ayres Britto. No polêmico encontro, o petista teria pedido ao ministro para tentar adiar o julgamento do mensalão, segundo a versão de Mendes. Lula e o ex-ministro Nelson Jobim, o anfitrião do encontro, negam.
Ayres Britto conversou com a maioria dos ministros para ouvi-los se caberia algum tipo de posicionamento formal do Supremo, seja emitindo nota em defesa de Gilmar Mendes, seja adotando medida oficial interpelando o ex-presidente Lula (…)
Em busca de apoio no Congresso, Mendes encaminhou documentos a parlamentares para tentar comprovar que não voou em aeronave cedida pelo empresário Carlinhos Cachoeira no ano passado


Mas por que um ministro do STF precisaria de buscar apoio no Congresso? Moralmente, porque não fica bem a alguém que julga parecer ser alguém que não diz a verdade. Mas também porque ele pode sofrer impeachment e quem o julga é o Senado Federal.

Sempre ouvimos falar de ministros do STF julgando, mas eles também podem ser julgados. Podem ser julgados tanto civilmente (por exemplo, se deixam de pagar pensão alimentícia), quanto criminalmente (quando cometem um delito).

Se cometerem um crime comum, como atropelar ou matar alguém, eles são julgados pelos seus próprios pares, no STF. Mas se cometem um crime de responsabilidade, eles são julgados pelo Senado Federal. É o que comumente chamamos de impeachment. E é nesse segundo que vamos focar.

A lista de crimes de responsabilidade de um presidente da República ou de um ministro de Estado é enorme, mas os de um ministro do STF é bem menor. Diz o art. 39 da Lei 1.079/50, diz que são crimes de responsabilidade dos ministros do STF:
  1. Alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
  2. Proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
  3. Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo:
  4. Proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.

E é esse último ponto que é relevante aqui, porque ele é o mais (possivelmente único) subjetivo da lista. O que eu considero uma desonra pode ser algo que você considera totalmente normal. E, para complicar a situação, ele será julgado, como dito acima, pelo Senado, que é composto por 81 pessoas, quase todas leigas em direito, e com visões muito diversas sobre o que é honra, dignidade e decoro. Além disso, o Senado é, por natureza, um órgão político e não jurisdicional. Logo, será um julgamento inerentemente político, ou seja, levado pelas emoções e pressões do momento.

E como é que funciona esse julgamento? Bem, nunca tivemos um caso de um ministro do STF sofrendo democraticamente um impeachment, por isso dependerá muito de como o STF e o Senado interpretariam a lei, mas, de forma geral, essas são as regras previstas:

Qualquer cidadão (alguém que esteja com seus direitos políticos vigentes), pode denunciar um ministro do STF que esteja no exercício de seu cargo. Mas a denúncia pelo crime de responsabilidade é feita ao Senado Federal e não ao STF. Essa denúncia deve conter provas ou declaração de onde as tais provas podem ser encontradas.

A mesa do Senado, então, a recebe e a encaminha para uma comissão criada para opinar, em 10 dias, se a denúncia deve ser processada.

O parecer da comissão é então votado e precisa de mera maioria simples (maioria dos votos dos senadores que apareceram para trabalhar naquele dia). Se for rejeitada, a denuncia é arquivada. Mas se for aprovada, ele é encaminhada ao ministro denunciado e ele passa a ter 10 dias para se defender. Será baseado nessa defesa – e na acusação que já foi analisada – que a Comissão decidirá se a acusação deve proceder.

Se decidir que sim, passa-se então a uma fase de investigação, na qual a comissão analisa provas, ouve testemunhas e as partes etc. Findas as diligências, a comissão emite seu parecer que, novamente, apenas de maioria simples para ser aprovado. Se o Senado entender que a acusação procede, o acusado é suspenso de suas funções de ministro do STF.

A partir daí o processo é enviado ao denunciante para que ele apresente seu libelo (suas alegações) e suas testemunhas, e o mesmo direito é dado ao ministro-acusado.

O processo então é enviado ao presidente do STF, que é quem vai presidir o julgamento no Senado (da mesma forma como ocorreu no impeachment do então presidente Collor, em 1992). A partir daí, o julgamento feito pelo Senado passa a parecer muito com um julgamento feito por um tribunal do júri, mas com 81 jurados (senadores).

As testemunhas são intimadas para comparecerem ao julgamento. O acusado também é notificado para comparecer e, se não comparecer, o presidente do STF (que estará presidindo o julgamento), o adia, nomeia um advogado para defender o acusado à revelia, e determina uma nova data na qual haverá o julgamento, independente da presença do ministro-acusado.

No dia do julgamento, depois de se ouvir as testemunhas, as partes e os debates entre acusador e acusado, estes se retiram do plenário e os senadores passam a debater entre si. Findo esses debates, o presidente do STF faz um relatório dos fundamentos da acusação e da defesa, e das provas apresentadas. E aí, finalmente, há uma votação nominal (aberta) pelo plenário, que é quem decidirá se o acusado é culpado e se deve perder o cargo.

Para que ele seja considerado culpado e perca o cargo, são necessários dois terços dos votos dos senadores presentes. Se não alcançar esses dois terços, ele será considerado inocente e será reabilitado imediatamente ao cargo do qual estava suspenso. Se alcançar os dois terços dos votos, ele é afastado imediatamente do cargo, mas o processo não termina aí: dentro de um prazo de até cinco anos, o presidente do STF deve fazer a mesma pergunta novamente aos senadores. E, aí sim, se for respondida afirmativamente, ele perde o cargo definitivamente.

Repare que a denúncia pode ser apresentada por qualquer cidadão, que ela pode ser baseada em algo muito subjetivo (dignidade, decoro e honra), que o ministro é julgado por um tribunal político composto de pessoas que estão em sua maioria, alinhadas com o partido cuja principal figura (o ex-presidente) é alguém contra quem o ministro do STF indispôs. E isso gera um risco de impeachment que, aliás, já foi feito uma vez contra ele.


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