sábado, 24 de setembro de 2011

protesto contra a intolerância religiosa da grande mídia, em especial da revista Veja.


A nova classe média, tão louvada por Marx, não perdoa a velha mídia

por Claudio Julio Tognolli no Brasil 247

Imortalizado pela Operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiróz passou a convidar, por e-mail, incautos a que participem de uma vigília. A partir da 0h, entre os dias 26 e 27 de setembro, na praça João Mendes, no centro de São Paulo, Protógenes tocará uma vigília “seguida de protesto contra a intolerância religiosa da grande mídia, em especial da revista Veja”. A reação não tardou. A capa da revista Veja dessa semana traz uma reportagem intitulada “Festa dos bodes”. Enfoca-se o velho tema: a impunidade. A revista Veja, entre outros casos, sustenta que o banqueiro Daniel Dantas teve o processo que corria contra ele anulado pelo STJ devido a “irregularidades flagrantes praticadas pelo delegado que cuidou do caso”. A revista Veja elenca outros atores, como Fernando Collor de Melo, José Sarney, Paulo Maluf, Jader Barbalho e Romero Jucá postos a salvo também, segundo a revista, pela impunidade que grassa no país. A revista, como você verá, deixou de abordar casos cuja impunidade cinge anunciantes da mesma.
Voltando ao Protógenes que detonará a Veja em passeata: a meia-confecção que foi a Operação Satiagraha está para ser julgada por ministros do STF. O caso merece atenção. Afinal, a Procuradoria de Milão já mandou ao Brasil papelada subscrevendo juridicamente, com provas um dissuasivo nuclear: a denúncia de que a Telecom Italia distribuiu 120 milhões de euros, na América Latina em geral, e no Brasil em particular, para fulminar seus concorrentes no mercado da telefonia. Jornalistas que telefonaram centenas de vezes a Protógenes Queiróz, durante a Satiagraha, são ora investigados pelo STF por fazerem parte do “budget” milionário de verbas despejadas pelos espiões da Telecom Italia no Brasil – um grupo de elite conhecido como “Tiger Team”.
Essa contaminação da Satiagraha ainda é superficial se comparada com o Santo Graal que a operação tocada por Protógenes escondeu, e que atende pelo nome de “agenda de Guth”. Para você entender o caso: Alberto Guth era um dos dirigentes da Angra Partners. Trata-se da empresa de gestão de recursos que assumiu o papel, outrora cabido ao Opportunity de Daniel Dantas, quando os fundos de pensão (envenenados por alas radicais do PT como Berzoini e Gushiken) mais o Citibank, fulminaram Daniel Dantas do comando da Brasil Telecom. A sede da Angra Partners foi vasculhada pela Polícia Federal no dia 8 de julho de 2008. Nesta apreensão consta a chamada “agenda de Guth”. Da “agenda de Guth” constam anotações escalafobeticamente armagedônicas como “reforçar acesso aos ministros...”, “custo R$ 10 m”. Num outro trecho, Guth escreveu: “FIA comprou juiz via advogados”. Para você entender: o FIA é o fundo formado pelos fundos de pensão das estatais.
A pergunta: o que Guth quis dizer na sua agenda? Que o FIA, na sua gula de fulminar Daniel Dantas, comprou juízes pelas mãos de advogados? A agenda ainda traz trechos didáticos, como o seguinte: “no dia 27 de junho de 2005, ou seja, pouco depois de ter dado a sentença contra o Opportunity,o ministro Vidigal, aborrecido e preocupado com as atividades da PF, que estaria prendendo gente, como fizera com a direção da cervejaria Schincariol, sem o devido processo legal, e por achar que seu telefone estaria sendo grampeado, tinha lhe dito que o estavam procurando para escrachá-lo na imprensa”. Esses trechos epigrafam boas páginas da famosa agenda de Guth. Lembremos: no dia 18 de maio de 2005, o então presidente do STJ, Edson Vidigal, cassou uma liminar que restaurava ao Opportunity o comando do FIA e assim inviabilizava o controle da Brasil Telecom pelo bloco do Citibank mais os fundos de pensão capitaneados a ferro a fogo pelo liberticismo messiânico-gongórico de Berzoini e Gushiken. Saiba você que a decisão de Vidigal ocorreu um dia depois da anotação, na agenda de Guth, referindo que advogados teriam dado “R$ 10 m” a juízes. O que isso quer dizer? Se levarmos a sério, literalmente, as anotações de Guth, somos abraçados pela petição de princípios segundo a qual alguém pagou muito dinheiro, mais uma vez, para fulminar o banqueiro Daniel Dantas.
O mais interessante é que a agenda de Guth terá a sua destruição, ou a sua liberação à total consulta, decididas, tudo leva a crer ainda este ano, pela ministra Carmen Lúcia do STF. Como Carmen Lúcia foi indicada ao cargo pelo ex-presidente Lula, é bem provável que decida pela destruição do maior Graal da história da corrupção no Brasil. Trata-se, afinal, das provas que destroem uma das tantas operações “da Polícia Federal republicana” inventada por Marcio Thomaz Bastos. Afinal delegados da Polícia Federal batizaram a “Polícia Federal republicana” de “a mãe da operação Mala Branca”. O que quer dizer isso? Quer dizer ganhar dinheiro de corrupção cumprindo a lei. Veja o tamanho da batata quente que caiu no colo da ministra Carmen Lúcia. Que Deus a ilumine.
Agora voltemos à revista Veja. Por que a revista Veja não citou em sua capa contra a impunidade a operação Castelo de Areia? Simples: porque o Banco Bradesco, de resto um dos maiores anunciantes da editora Abril, teve um de seus caciques, Lázaro de Melo Brandão, grampeado pela PF na Castelo de Areia conversando com um doleiro.O editor da primeira página do Estadão que resolveu manchetar isso acabou sendo demitido, obviamente pela intervenção do maior banco do Brasil na linha editorial do mais respeitado e tradicional jornal brasileiro.
Para você lembrar: Operação Castelo de Areia foi deflagrada em março de 2009, com base em grampos telefônicos a partir de uma denúncia anônima. Seu objetivo era investigar crimes financeiros, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e desvio de verbas públicas. Os alvos eram executivos da Construtora Camargo Correa e partidos políticos. Em dezembro do mesmo ano, o então juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo — hoje desembargador —, acolheu parte da denúncia do Ministério Público Federal contra três executivos da Camargo Corrêa, mas manteve o tal depoimento em sigilo, sem conhecimento das partes. Depois, quando percebeu que as provas colhidas na investigação poderiam ser rejeitadas divulgou o depoimento feito mediante delação premiada.
O relato secreto do doleiro foi tomado em dois depoimentos na 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo na época em que o juiz Fausto de Sanctis era o titular. O MPF também teve acesso ao depoimento.
As revelações do doleiro haviam dado origem a outras três operações da Polícia Federal – Suíça, Kaspar I e Kaspar II – que investigavam crimes tributários. Mas também foi usado para a operação Castelo de Areia.
Em abril, três dos quatro ministros da 6ª Turma do STJ consideraram ilegais as provas colhidas na investigação. Segundo eles, as interceptações telefônicas foram autorizadas pela primeira instância com base em denúncia anônima, o que é ilegal. O juiz inviabilizou tecnicamente a Castelo de Areia, já na protogênese do colhimento de depoimentos. Agora sabes porque Veja nada escreveu sobre a Castelo
Fim da era
Agora você entende porque a grande mídia está perdendo o seu espaço para blogueiros, twitteiros e para o povão em geral: a classe média recém-chegada a essa condição costuma andar por aí com faca na boca e sangue nos olhos. Quer peitar a tudo e a todos. É aquilo que Karl Marx fala no seu 18 Brumário. “Historicamente a nova burguesia desempenhou o papel mais revolucionário da história”. Vamos ver agora como está a nova classe média no mundo: é a classe média que na metade de agosto passado tomou de assalto a praça Tianammen, na China. É a nova classe média chinesa, que em fevereiro passado derrubou o político que roubou 1 bilhão da construção de estradas de alta velocidade e que mantinha 18 amantes com dinheiro público. É a classe média que peita o governo indiano de Manmohan Singh e que apóia massivamente o grevista de fome Anna Hazare. É a classe média que bota em xeque o governo da Indonésia. Marx nunca esteve tão certo: a nova classe média não tem limites para decapitar El Rey. Os números são inequívocos: a nova classe média é responsável por mais de um terço de toda a população da África, de três quartos da população da América Latina e de quase 90% da população da China. É a classe que segundo o Banco Mundial tem faturado de 2 a 13 dólares por dia, e que subiu de 277 milhões de representantes da América Latina para 362 milhões entre 1990 e 2005.
Essa classe média que chega a sua condição atual coçando o coldre é a classe média que sempre quis reformular, quando no poder, os três tabus de que vive a humanidade: sexo, drogas e religião. É a classe média que não quer tutela sobre seu corpo, que não quer o Rock in Rio sem drogas e que quer vogar como uma nau livremente pelo oceano da cultura, e pelo domínio de suas próprias vontades, sexualidades e vícios enfim. É a classe média que lentamente ensina seus filhos que montem os seus blogs e sites ao invés de consumir pré-coerências estilizadas – como a capa da Veja sobre a impunidade, que deixou de citar a impunidade que cingiu o banco que mais patrocina suas publicações, voltadas àquela meia-confecção cultural, o ser mediano, a que Nietzsche chamava de “o homem alexandrino”.

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