Por Urda Alice Klueger, no Direto da Redação
Lembro perfeitamente daquele dia em que Fátima Bernardes
olhou soturnamente para a câmara e disse, na sua melhor voz de velório: “Hoje
faz quatro meses que começou o escândalo do mensalão!” Penso que em seguida ela
deve ter tido um orgasmo, depois daqueles quatro meses conseguindo levar o povo
de cabresto, quase todo o país de olhos, narizes e emoções concentrados em
Brasília e no Jornal Nacional, sem a menor chance de conseguir olhar para nada
que se passasse um pouco além das nossas fronteiras.
Este é um
dos grandes males de nosostros, brasileños:
para a esmagadora maioria da nossa população, o mundo começa e acaba em
Brasília, e o que acontecer além de Brasília não existe, o que quer dizer que
coisas assim também não existam em outros países – vi um livro didático do
Canadá que dava vontade de chorar: as crianças das escolas canadenses descobrem
que há o Canadá – ao redor existem animais selvagens e alguns poucos homens
”selvagens” – portanto, para elas, nosostrossequer existimos.
Portanto, lá no começo do milênio
ficamos quatro meses tão fascinados pelo escândalo do mensalão que sequer nos
demos conta do que ele queria esconder: no nosso vizinho tão próximo,
encostadinho, o Paraguai, naqueles quatro meses foram aprovadas leis que
permitiam a instalação de uma base estadunidense naquele país, que concordavam
que os soldados estadunidenses podiam roubar, matar, estuprar, torturar, em
território paraguaio, sem sofrer sanções – e naqueles quatro meses a tal base
foi devidamente instalada em Mariscal Estigarribia, ao norte do Paraguai,
pertinho pertinho do Brasil, e tem lá um aeroporto IMENSO (4.000 m de pista –
3,85 m de espessura, em concreto), capaz de receber todo o tipo de aeronave, e
eu fui lá vi tudo isso com estes olhos que a terra há de comer, e meu amigo que
estava junto até tirou fotos de tudo! Portanto, a qualquer momento qualquer
aeronave pode subir, lá, e encher de bombas lugares como São Paulo, Rio de
Janeiro, Brasília ou Porto Alegre, sem contar que fica facilzinho facilzinho
bombardear, também, lugares como La Paz, Caracas ou Buenos Aires. E nós, aqui,
bobos, a gemer de raiva orquestrados pela voz melíflua e fúnebre de Fátima
Bernandes, sem dar a mínima para o que acontecia do lado de lá da fronteira.
Alguém importante deve ter dado os parabéns à Fátima Bernardes, elogiado sua
atuação ao fazer um país inteiro ficar surdo e mudo para o mundo por conta do
fascínio dela, enquanto se armava a grande arapuca para a nossa área!
(Em tempo: acabo de consultar São
Google, e lá tem de tudo sobre a tal base e o aeroporto – embora também tenha
gente lá dizendo que é tudo mentira. Mas que vi, vi, e, inclusive, junto com
outros passageiros de um ônibus, fui bastante humilhada pelos tais soldados
estadunidenses numa estrada ao norte do Paraguai, ali por perto.)
Então, agora, andava me coçando: o que
é que estava acontecendo, DE VERDADE, por detrás do caso Cachoeira, que há
meses mantém, de novo, os brasileiros de cabresto, a olhar para Brasília? Algo
havia que ter, e coisa séria – cheguei a comentar tal coisa com algumas
pessoas. Procurava ver, mas não clareava – mas para o público do Jornal
Nacional estar tão fascinado pelo Cachoeira que acho que já nem se importa mais
com futebol, coisa grossa estava à vista, mas eu ainda não conseguia enxergar.
Ontem, então, a coisa ficou clara, claríssima: num sórdido golpe de estado que
eu assisti passo a passo via Telesur (facilzinho de pegar via Internet:
WWW.telesurtv.net – clicar senal en vivo), o presidente Lugo, do Paraguai, foi
deposto pelo Congresso daquele país, e um títere foi colocado no seu lugar.
Lugo acatou, saiu – não quis ver sangue inocente derramado nas praças de
Assunción, aquela cidade tão linda e tão querida, que é um bálsamo para o meu
coração e um tesouro na minha vida , impedindo, assim, o massacre de milhares
de pessoas que já lá estavam para defender a legalidade da democracia e que já
estavam levando bala de borracha e gás lacrimogêneo.
O Condor volta a voar nas Américas. Faz
três anos devorou Honduras; agora, foi a vez do Paraguai – amanhã ou depois
será a nossa vez. Se você ainda não sabe o que é a Operação Condor, sugiro que
se informe, pois muito sangue e muita lágrima já correu aqui na nossa Terra de
Santa Cruz e em outros lugares por causa dela, e parece que tudo se repete. Com
São Google, hoje, não há como se manter ignorante de coisas assim, das quais
depende o nosso futuro. E quando o Jornal Nacional começar a falar demais no
mesmo assunto, ligue as antenas: alguma maldade MUUUUITO maior está para
acontecer.
Aqui, choro, como chorei tanto ontem,
pelo nosso irmão Paraguai que está tão dentro do meu coração. Assunción, a
linda e a doce, onde estão as flores das árvores pejadas de História das tuas
praças? Ainda haverá primavera para ti, minha querida Assunción, ou só te
restará ser o ninho podre daquele Condor de voos baixos e rasantes, ao
contrário dos livres voos dos condores das altas montanhas?
Ah! Assunción, minha querida, fico aqui
torcendo pela tua primavera. Ao se despedir, ontem, Lugo disse que o povo era
forte, forte, forte... Quem sabe possa voltar a primavera? Por enquanto, é
tempo de chorar, e choro.
Urda Alice
Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.
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