quarta-feira, 2 de maio de 2012

“Me criticam por ser um jornalista engajado", diz Gilberto Dimenstein


Gilberto Dimenstein
Gilberto Dimenstein costuma dizer que deixou de reportar para observar a notícia a partir do momento em que começou a envolver-se com jornalismo cidadão. Ainda na sucursal da Folha de S. Paulo, em Brasília, o jornalista encabeçou, em meados de1980, matérias investigativas sobre a condição de crianças pelo Brasil. Segundo ele, foi a oportunidade para que decidisse não só denunciar, mas fazer algo para mudar.

Apesar da transparência em admitir isso, Dimenstein reconhece que em uma sociedade que busca tanto a objetividade é difícil se fazer compreender. “As pessoas não aceitam que o jornalista seja engajado. Misturam envolvimento com questões políticas ou ideológicas. Mas eu sou cidadão e tenho o compromisso de me engajar. Por outro lado, tomo cuidado para fazer tudo de forma transparente”.

Formado pela Faculdade Cásper Líbero, Dimenstein foi diretor de redação da Folha de S.Paulo, em Brasília, além de correspondente do mesmo jornal em Nova Iorque. Passou pelo Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora e Veja. Foi reconhecido com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos e o Maria Moors Cabotdado pela Faculdade de Columbia. 

Atualmente, Dimenstein divide seu tempo entre os corredores de Harvard, em Boston, e a sede do Catraca Livre, na Vila Madalena. Além da notável trajetória no jornalismo, foi pioneiro no desenvolvimento de projetos de comunicação e educação que o levarama a ser referência internacional, tendo seus projetos exemplificados em Harvard e no MIT. 

À IMPRENSA, o jornalista fala sobre sua carreira, as novas tecnologias e o conceito de educomunicação e declara a que deve favor às pessoas que acreditaram em suas propostas. 

IMPRENSA – O que o fez sair da linha do jornalismo tradicional, onde ganhou vários prêmios, para atuar com jornalismo cidadão? 

Gilberto Dimenstein - Não houve nada que eu não obtivesse com esse tipo de jornalismo [investigativo]. Mas devo destacar que teve um marco importante na minha carreira. Foi uma investigação que começou em 1989, quando fui apurar assassinatos de crianças pelo Brasil. Viajei por várias partes do país. Havia uma violência sistemática contra crianças e adolescentes. Foi uma investigação de quase oito meses. Era um assunto totalmente fora da agenda. Não demorou um ano e fiz outra reportagem sobre exploração sexual de meninas e essa teve mais repercussão ainda. Foram nesses momentos que eu digo que deixei o poder em Brasília para cobrir o país real. 

Foi aí que surgiu a Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi)?

Eu fiz parte do grupo que criou a Andi. Quando ela surgiu, veio um clique na minha cabeça: em vezde só fazer a denúncia, não podemos buscar a solução?  Tinha muita resistência na época. Muitas críticas, muita gente articulando ONG´s. Gente falando sobre responsabilidade social. Mas também já tinha gente com um olhar mais educativo. E nossa proposta foi educar jornalistas para ter um olhar diferente sobre questões sociais. E quando você entra nesse mundo e vai deixando de lado a denúncia e a crítica, acaba virando um educador.  

Mas você considera ruim o outro papel da imprensa, o da denúncia?

Até hoje é difícil explicar isso. É um debate profundo. Eu tenho visto que a imprensa brasileira é viciada em notícias negativas. A boa notícia é aquela que não é boa. E mesmo que a pessoa faça coisas legais, aquilo é menos notícia do que quando existem coisas negativas. No meu caso ficou ainda mais complexo porque eu passei a ser ator da notícia e no mundo em que se discute cada vez mais a objetividade, ficou complicado. O que eu venho fazendo é o que os americanos costumam chamar de jornalismo cívico.

Você sempre diz que o criticam por ser engajado?

Criticam muito, mas eu sempre digo que o importante é ser transparente. Todo mundo tem interesses, olhares. A objetividade tem que ser perseguida. Mas também é importante deixar claro seus interesses. Por exemplo, eu sou judeu e de uma geração que nasceu pós-holocausto. Eu não posso ser objetivo em relação a Israel e as pessoas que leram meu texto sobre Israel, por mais que eu tente olhar para os palestinos vão ter que saber que eu tenho um lado que vai ser difícil passar, o lado da emoção. Quando eu falo de São Paulo as pessoas sabem da minha relação com essa cidade.  

Nos Estados Unidos essa percepção muda? A divisão entre jornalismo convencional e cívico é clara?

Mesmo nos Estados Unidos isso levanta uma discussão profunda. Mas esse tipo de jornalismo não tem nada a ver com tomar partido. De alguma forma você sempre está num campo de polêmicas em que o acusam de ser partidário. Para mim é muito simples explicar quando alguém critica. É só ser transparente. E o engajamento não é por bem ou por mal. No meu caso, é por prazer. E, além disso ,esse é o campo que mais me provoca no jornalismo: a educomunicação. 

O conceito de educomunicação já é bem compreendido no Brasil?

Traduzindo, esse termo quer dizer comunicação a serviço da educação. É um olhar totalmente diferente do jornalismo tradicional. Ele nem é pior e nem é melhor. É diferente. Eu jamais pediria para que não existisse o jornalismo da denuncia e da investigação. Um não é contra o outro. São olhares que sobrevivem juntos. Claro que o olhar da educomunicação você vê com mais intensidade como que você pode ajudar a transformar a sociedade através da comunicação. Tem outro fato interessante envolvendo educomunicação que foram os livros paradidáticos que eu escrevi. Para minha surpresa os livros tiveram uma aceitação gigantesca, apesar de eu não ser pedagogo. 

Portal Imprensa


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