Gilberto Dimenstein |
Gilberto Dimenstein costuma dizer que deixou de
reportar para observar a notícia a partir do momento em que começou a
envolver-se com jornalismo cidadão. Ainda na sucursal da Folha de S. Paulo,
em Brasília, o jornalista encabeçou, em meados de1980, matérias investigativas
sobre a condição de crianças pelo Brasil. Segundo ele, foi a oportunidade para
que decidisse não só denunciar, mas fazer algo para mudar.
Apesar da transparência em admitir isso, Dimenstein
reconhece que em uma sociedade que busca tanto a objetividade é difícil se
fazer compreender. “As pessoas não aceitam que o jornalista seja engajado.
Misturam envolvimento com questões políticas ou ideológicas. Mas eu sou cidadão
e tenho o compromisso de me engajar. Por outro lado, tomo cuidado para fazer
tudo de forma transparente”.
Formado pela Faculdade Cásper Líbero, Dimenstein
foi diretor de redação da Folha de S.Paulo, em Brasília, além de
correspondente do mesmo jornal em Nova Iorque. Passou pelo Jornal do Brasil,
Correio Braziliense, Última Hora e Veja. Foi reconhecido
com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos e o Maria Moors Cabotdado pela
Faculdade de Columbia.
Atualmente, Dimenstein divide seu tempo entre os
corredores de Harvard, em Boston, e a sede do Catraca Livre, na Vila Madalena.
Além da notável trajetória no jornalismo, foi pioneiro no desenvolvimento de
projetos de comunicação e educação que o levarama a ser referência
internacional, tendo seus projetos exemplificados em Harvard e no MIT.
À
IMPRENSA, o jornalista fala sobre sua carreira, as novas tecnologias e o
conceito de educomunicação e declara a que deve favor às pessoas que
acreditaram em suas propostas.
IMPRENSA – O que o fez sair da linha do jornalismo
tradicional, onde ganhou vários prêmios, para atuar com jornalismo cidadão?
Gilberto Dimenstein - Não houve nada que eu não obtivesse com esse tipo de jornalismo
[investigativo]. Mas devo destacar que teve um marco importante na minha
carreira. Foi uma investigação que começou em 1989, quando fui apurar assassinatos
de crianças pelo Brasil. Viajei por várias partes do país. Havia uma violência
sistemática contra crianças e adolescentes. Foi uma investigação de quase oito
meses. Era um assunto totalmente fora da agenda. Não demorou um ano e fiz outra
reportagem sobre exploração sexual de meninas e essa teve mais repercussão
ainda. Foram nesses momentos que eu digo que deixei o poder em Brasília para
cobrir o país real.
Foi aí que surgiu a Agência Nacional dos Direitos
da Infância (Andi)?
Eu fiz parte do grupo que criou a Andi. Quando ela
surgiu, veio um clique na minha cabeça: em vezde só fazer a denúncia, não
podemos buscar a solução? Tinha muita resistência na época. Muitas
críticas, muita gente articulando ONG´s. Gente falando sobre responsabilidade
social. Mas também já tinha gente com um olhar mais educativo. E nossa proposta
foi educar jornalistas para ter um olhar diferente sobre questões sociais. E
quando você entra nesse mundo e vai deixando de lado a denúncia e a crítica,
acaba virando um educador.
Mas você considera ruim o outro papel da imprensa,
o da denúncia?
Até hoje é difícil explicar isso. É um debate
profundo. Eu tenho visto que a imprensa brasileira é viciada em notícias
negativas. A boa notícia é aquela que não é boa. E mesmo que a pessoa faça
coisas legais, aquilo é menos notícia do que quando existem coisas negativas.
No meu caso ficou ainda mais complexo porque eu passei a ser ator da notícia e
no mundo em que se discute cada vez mais a objetividade, ficou complicado. O
que eu venho fazendo é o que os americanos costumam chamar de jornalismo cívico.
Você sempre diz que o criticam por ser engajado?
Criticam muito, mas eu sempre digo que o importante
é ser transparente. Todo mundo tem interesses, olhares. A objetividade tem que
ser perseguida. Mas também é importante deixar claro seus interesses. Por
exemplo, eu sou judeu e de uma geração que nasceu pós-holocausto. Eu não posso
ser objetivo em relação a Israel e as pessoas que leram meu texto sobre Israel,
por mais que eu tente olhar para os palestinos vão ter que saber que eu tenho
um lado que vai ser difícil passar, o lado da emoção. Quando eu falo de São
Paulo as pessoas sabem da minha relação com essa cidade.
Nos Estados Unidos essa percepção muda? A divisão
entre jornalismo convencional e cívico é clara?
Mesmo nos Estados Unidos isso levanta uma discussão
profunda. Mas esse tipo de jornalismo não tem nada a ver com tomar partido. De
alguma forma você sempre está num campo de polêmicas em que o acusam de ser
partidário. Para mim é muito simples explicar quando alguém critica. É só ser
transparente. E o engajamento não é por bem ou por mal. No meu caso, é por
prazer. E, além disso ,esse é o campo que mais me provoca no jornalismo: a
educomunicação.
O conceito de educomunicação já é bem compreendido
no Brasil?
Traduzindo, esse termo quer dizer comunicação a
serviço da educação. É um olhar totalmente diferente do jornalismo tradicional.
Ele nem é pior e nem é melhor. É diferente. Eu jamais pediria para que não
existisse o jornalismo da denuncia e da investigação. Um não é contra o outro.
São olhares que sobrevivem juntos. Claro que o olhar da educomunicação você vê
com mais intensidade como que você pode ajudar a transformar a sociedade
através da comunicação. Tem outro fato interessante envolvendo educomunicação
que foram os livros paradidáticos que eu escrevi. Para minha surpresa os livros
tiveram uma aceitação gigantesca, apesar de eu não ser pedagogo.
Portal Imprensa
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